O ator trans BENJAMÍN é o protagonista cis da série "B.A: O Futuro Está Morto": "É importante ser visto pelo trabalho, e não apenas pela identidade de gênero"

Ele também lançou uma música e está buscando espaço e visibilidade.

Ser a primeira pessoa a fazer alguma coisa costuma provocar, ao menos, dois sentimentos: a sensação de responsabilidade, já que, de uma forma ou de outra, você acaba se tornando uma inspiração e trazendo representatividade, e solidão ao perceber que, embora você alcance posições altas e realize sonhos, quando olha para o lado não vê muita gente parecida com você.

Carmen Campos

Aos 24 anos, BENJAMÍN é o primeiro homem trans a interpretar um papel de protagonista em uma série brasileira. Ele é o Ariel em “B.A: O Futuro Está Morto”, da HBO Max, que estreou na plataforma de streaming em outubro. 

A série mostra um grupo revolucionário de adolescente em um futuro distópico. Assista ao trailer aqui:

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“Ainda é uma invisibilidade muito grande. Tem essa transfobia que é muito específica e direcionada a homens trans e a pessoas trans masculinas e a trans masculinidade é bastante solitária. Eu acho que, se a gente não fizer esse esforço, movimentar energia para buscar pessoas que são como eu, com experiências em comum, isso não é estimulado pela sociedade”, conta BENJAMÍN em um papo com essa coluna do BuzzFeed Brasil.

“Eu entendo quando vejo que pode ter esse peso, essa responsabilidade, e fico feliz em ser o primeiro, poder ter essa visibilidade, mas eu sou só uma pessoa e me incomoda muito não ter outras, então eu não consigo ficar tão feliz assim porque me incomoda demais. Nós estamos em 2023 e só agora tem um homem trans protagonista de uma série”, complementa.

BENJAMÍN falou sobre a vida sendo um homem trans, sua carreira na TV e na música (ele também é cantor e acabou de lançar o single e o clipe “Sinto Muito”, assista abaixo), o papel da arte na representação de pessoas trans e muito mais. 

Aqui estão os melhores momentos deste papo:

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O seu personagem, Ariel, é um homem cis, e isso já é marcante por si só, porque, além de você ser o primeiro protagonista trans em uma série brasileira, no geral, quando a gente vê pessoas trans atuando em grandes produções, elas estão interpretando pessoas trans. Como você encara isso?

"Eu me sinto muito bem nesse lugar de representatividade, de abrir uma porta que esteve muito fechada nos últimos anos, mas eu acho que pessoas trans, em especial os homens trans e as pessoas trans masculinas, são invisibilizados na arte. Eu sinto que só agora e, muito lentamente, a gente está começando a ser considerado para personagens que não têm necessariamente uma descrição trans. 

É importante que pessoas trans interpretem personagens trans, até porque o trans fake ainda acontece, recentemente aconteceu com o filme 'Agreste'. Mas é muito importante também que a gente seja visto pelo trabalho que a gente faz, e não só pela nossa identidade de gênero. E, claro, não que isso precise ser ainda mais invisibilizado e ignorado para a gente se encaixar no padrão cisgênero, mas é mais no lugar de que a gente possa ter mais espaço e um espaço seguro para fazer o nosso trabalho."

Em uma entrevista você disse que, aos 16 anos, se identificou com o personagem do filme “Meninos Não Choram”(foto), mas que temeu e negou essa identificação porque sentiu que isso faria com que o seu único destino possível fosse o sofrimento, até porque a maior parte das histórias de pessoas trans e travestis que aparecem nas telas é de sofrimento. A gente sabe, pelos dados, que a realidade de muitas pessoas trans e travestis no Brasil não é fácil, mas você acha que a indústria audiovisual pode ajudar pessoas como você a não terem medo dessa identificação?

Divulgação

"Eu acho que hoje em dia, em 2023, já existem outras formas de se entender mais sobre a transgeneridade, os filmes já estão trazendo isso de alguma forma, mas é claro que ainda tem um caminho imenso pela frente. Existem pessoas que estudam e trazem essa outra forma de olhar para a transgeneridade, que não seja no viés do sofrimento, da doença, da patologia, mas, ao mesmo tempo, a expectativa de vida de pessoas trans e travestis no Brasil é estimada em 35 anos. Então, é uma realidade e é importante dar visibilidade para reverter isso. E eu acredito muito que o audiovisual muda a visão das pessoas, não só no sentido do letramento, mas a arte cria essa oportunidade de você se relacionar mais profundamente com aquilo, por meio da empatia, das emoções e esse é um outro lugar muito potente também."

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Você teve o apoio da sua família desde que anunciou a sua transição social, e imagino que construir esse apoio também seja desafiador, tanto para explicar algumas coisas quanto para deixar muito claro como você quer ser tratado. Você absorveu essa necessidade de tentar educar as pessoas?

"No início da transição, eu era bastante comprometido, eu colocava bastante energia em letrar as pessoas ao meu redor, mas hoje eu acho que já cansei um pouco de estar sempre nesse lugar. Pelo menos as pessoas que estão à minha volta me respeitam, então eu ainda estou indo até certo ponto. Quando eu me sinto confortável, eu me coloco nesse lugar, mas, às vezes, é cansativo e eu me dou o direito de não fazer nada."

“B.A. O Futuro está morto” foi a série mais assistida do fim de semana de estreia tanto no Brasil quanto na América do Sul, o que mostra que ela foi bem recebida por uma parte do público, mas você gravou um vídeo dizendo que está recebendo muito hate e muita transfobia. Como tem sido lidar com isso? 

Luciana Barreto

"Quanto mais visibilidade, mais a série vai atingir novos públicos e, às vezes, esses públicos não são tão receptivos. É natural que isso aconteça, mas, ao mesmo tempo, me deixa um pouco frustrado. A série como um todo sofreu um hate grande por falar sobre um governo fascista, eu recebi muita transfobia, o que é muito incabível pensando que é crime no Brasil, mas, mesmo assim, rola solto.

As pessoas destilam ódio mesmo e as redes sociais ainda não têm ferramentas para filtrar e combater isso, então eu fico um pouco frustrado. Eu fui aprendendo muito mais a valorizar outros tipos de comentário. Não é como se seu relevasse, porque é um retrato bem grande da nossa sociedade, e eu me preocupo com o país em que a gente vive e com a qualidade de vida das pessoas trans, mas eu aprendi a valorizar muito mais outros tipos de comentários."

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