"Emily em Paris" é ruim, e não de um jeito cômico

Do criador de "Sex and the City" e "Younger", poderíamos esperar mais do que... seja lá o que for isso.

Cena de "Emily em Paris", Lilly Collins tirando uma selfie numa janela.
Cena de "Emily em Paris", Lilly Collins tirando uma selfie numa janela.

Stephanie Branchu / NETFLIX

Lilly Collins em "Emily em Paris".

"Emily em Paris" Netflix que chegou ao top 10 da Netflix quase imediatamente depois de sua estreia, em outubro. Parece que agora a ideia de diversão de muitas pessoas é uma dramédia escapista de meia hora com várias cenas bonitas.

Infelizmente para mim, e para todos que se propuseram a assistir a este desastre em cores vivas, é impossível parar de ver — embora a série criada por Darren Star não tenha a sagacidade de seu grande sucesso "Sex and the City" nem o charme da menos conhecida mas muito querida "Younger". Dez episódios de 30 minutos são a medida perfeita para forçar você a ver tudo, nem que seja só para terminar, apesar da personagem título Emily, interpretada pela Lily Collins, seja a mocinha de olhos brilhantes mais irritante que apareceu em nossas telas.

Emily, uma jovem especialista em marketing, vai parar na Cidade Luz depois que sua colega, interpretada por Kate Walsh (que merece mais do que isso), precisa desistir de última hora do seu cargo porque ficou grávida (e abrindo mão da oportunidade de conseguir licença-maternidade e creche???). Emily chega ao escritório parisiense recém-adquirido por sua empresa de marketing, cheia de energia, e logo estabelece várias regras para todos aqueles franceses que ela não conhece — e cujo idioma ela não fala.

Uma das primeiras conversas que vemos entre Emily e seus novos colegas franceses — todas elas, sem a menor lógica, faladas em inglês com sotaque francês mesmo quando Emily não está presente — envolve uma discussão clichê sobre por que americanos são "tão gordos".

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Para mim, o pior de "Emily em Paris" é sua incapacidade de fazer eu me importar com qualquer um desses personagens.

Lily Collins, assim como muitas jovens estrelas que conseguem esse tipo de papel de peixe fora d'água, é branca, bonita e muito, muito magra (ela já falou abertamente sobre seu histórico de transtorno alimentar). Não existe um problema específico em ser magra, claro, mas, como Emma Specter aponta na Vogue, "até em 2020, pessoas gordas — que, a propósito, constituem quase metade da população americana — são mais propensas a serem mencionadas com linguagem desumana em séries que mostram o sucesso bizarro de pessoas magras do que a ganharem suas próprias narrativas".

A série, como muitos destacaram, parece que acabou de sair de 2005, mesmo que a desconcertante e rápida ascensão de Emily ao status de influenciadora de redes sociais seja bem moderna. Diferente de "The Bold Type", outra série similar com uma "girlboss", "Emily em Paris" nem se dá ao trabalho de expor os princípios contemporâneos do feminismo corporativo, muito menos qualquer outro tipo de narrativa preocupada com justiça. Enquanto as contra-partes de Emily em "The Bold Type" lidam com questões como racismo no mercado de publicação de revistas, representação queer, assédio e abuso sexual, as maiores crises de Emily envolvem pequenos problemas no trabalho, que, na maioria das vezes, decorrem de seu americanismo incorrigível e sua incapacidade de se adaptar à cultura francesa.

Mesmo que tenhamos uma noção meio incerta da origem de Emily e de sua criação "sem graça" e normal no interior dos Estados Unidos — sua mãe era professora; sua primeira viagem de avião foi aos 12 anos —, não temos ideia de como essa jovem ambiciosa é capaz de se vestir todos os dias com peças de alta-costura. Nesse sentido, ela tem muito em comum com sua antecessora, Carrie, interpretada pela Sarah Jessica Parker, que, de forma inconcebível, pagava por um apartamento em Manhattan e gastava 200 mil reais por ano em sapatos com o salário de uma escritora freelancer.

E, embora eu quisesse dizer que Emily, assim como Carrie, possui uma coleção incrível de roupas de tirar o fôlego, além de fracassos arriscados mas admiráveis, os êxitos são poucos para uma série que estou assistindo principalmente por causa das roupas. Eu gostei de alguns looks — do que lembro: uma blusa branca de babados com uma jaqueta curta xadrez e um jeans de perna larga —, mas, na maior parte do tempo, ela usa tudo muito combinadinho, como a roupa quadriculada rosa e preta da cabeça aos pés. Adoro visuais monocromáticos, mas ela vai longe demais (sem contar que, em termos de qualidade, vários deles parecem muito baratos para serem um Darren Star, como se ela tivesse acabado de sair da Forever 21). Quanto ao seu apartamento, ao que tudo indica, deveria ser um "chambre de bonne" (antigos aposentos de criadas, onde já fiquei em Paris; são armários de vassouras). Eu sabia que não deveria esperar que a versão de Emily de uma americana vivendo de forma econômica na Europa chegasse perto da realidade, mas, quando vi seu belo e espaçoso apartamento com uma vista espetacular, posso ou não ter dado um grito.

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Cena da série "Emily em Paris". Lilly Collins como Emily e Lucas Bravo como Gabriel sentados.
Cena da série "Emily em Paris". Lilly Collins como Emily e Lucas Bravo como Gabriel sentados.

Stephanie Branchu / Netflix

Lilly Collins como Emily e Lucas Bravo como Gabriel em "Emily em Paris".

Pelo menos todo mundo é lindo. Camille Razat como Camille, a namorada do vizinho fumante do andar de baixo, Gabriel (Lucas Bravo), é uma loira linda, embora você nunca consiga entender por que essa francesa legal faria amizade com uma maníaca serelepe como Emily. E Gabriel é um interesse amoroso bem digno, apesar de não fazer muita coisa além de ficar lá parado sendo bonito. Eu também não me importo com a metáfora: você está flertando com um cara, aí fica amiga de uma garota e depois descobre que, poxa que pena, ela é a namorada do cara! Assim, fica difícil torcer pela protagonista desde o início, e Emily, cujos principais traços de personalidade são sinceridade e falta de noção, precisa de toda a ajuda possível.

É aí que a série se desprende para mim. Embora muitas das críticas tenham dito que ela é ruim/divertida ("uma fantasia irresistível"), eu, que amo coisas ruins/divertidas quase mais do que séries realmente boas, achei "Emily em Paris"... ruim/ruim. É claro que os franceses iriam odiar, e sua representação de otimismo, inocência e excepcionalismo americano não poderia estar presente em um momento mais inoportuno, mas, para mim, o que é mais ofensivo de "Emily em Paris" é sua incapacidade de fazer eu me importar com qualquer um desses personagens. Todos os outros caras franceses mais velhos que correm atrás dela quando ela está suspirando por Gabriel começam a parecer e soar iguais; sua chefe, que, claro, tem ciúmes de Emily por conquistar a atenção desses homens, é uma cópia malfeita da Miranda Priestly; e a designer francesa extravagante, a nova cliente premiada de Emily, é entediante demais para uma suposta rainha do drama.

Talvez o pior de tudo seja que, ao final dos 10 episódios, Emily não pareça nem perto de abraçar os jeitos parisienses em relação a viver pelo prazer e não para o trabalho. Como Joshua Rivera destacou na Verge, "Quase todas as horas em que Emily está acordada são consumidas por seu trabalho, que não se trata de ajudar as pessoas a alcançarem o sucesso, e sim de ajudar as marcas. Seu comportamento americano, batalhador e destemido significa que todas as noites românticas ou saídas com amigos viram possíveis reuniões improvisadas, cada indício do charme parisiense é uma oportunidade de aumentar seus seguidores nas redes sociais, e cada amizade é mais um contato.

Talvez na segunda temporada (e vai ter muitas temporadas, né? Um soco no estômago enquanto a Netflix continua cancelando precocemente séries queridas pelo público sobre mulheres queer e mulheres não brancas como "Glow"), Emily amadureça e acabe ficando menos irritante. Mas vocês não vão me ver conferindo isso. ●

Este post foi traduzido do inglês.

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