É curioso o quanto "Wish: o Poder dos Desejos" parece um recado para os líderes gananciosos da própria Disney

No ano em que comemora seu centenário, o estúdio precisa rever algumas atitudes recentes.

Lançado na comemoração dos 100 anos da Disney, "Wish: o Poder dos Desejos" se propõe a resgatar tudo o que de melhor o estúdio fez em todos esses anos, e entrega: estão lá a animação impecável, as músicas cativantes, os elementos mágicos e uma protagonista cheia de esperança e senso de justiça. 

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Na nova história, o Rei Magnífico governa o reino de Rosas com benevolência, mas o preço é alto para seus súditos, já que ele guarda para si o desejo de cada cidadão - cada pessoa precisa entregar ao rei o que tem de mais precioso.

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Isso acontece quando as pessoas completam 18 anos, e a partir disso cada um toca sua vida sem grandes objetivos, de maneira até apática, variando de um personagem para o outro. Eles agora sonham com ter seu desejo realizado, mas o rei atende apenas um deles por ano. 

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Embora tudo seja bem "clássico" no filme, o vilão não poderia ser uma figura mais contemporânea: Magnífico faz do Reino de Rosas uma metáfora do capitalismo. A analogia é simples: os desejos correspondem à força de trabalho, entregues sistematicamente para um líder que acumula riquezas. A esperança das pessoas fica em obter algo que não está ao alcance de todos.

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O rei acumula desejos, alguns poucos são contemplados, muitos ficam sem nada. Pegou?

E a Disney com isso? Os últimos dois CEOs são a personificação do Magnífico. Bob Chapek, que comandou a empresa entre 2020 e 2022, censurou a Pixar, apoiou políticos conservadores, se desentendeu com Scarlett Johansson e visava o lucro acima dos artistas e do público de maneira tão descarada que acabou se tornando impopular a ponto de precisar ser substituído. Em seu lugar veio Bob Iger, que liderou a Disney por quase 15 anos e estava aposentado - mas como fez a empresa lucrar como nunca em sua gestão, retomou o cargo. 

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Bob foi acionado para fazer o dinheiro voltar a entrar no pós-pandemia, mas em 2023 a Disney acabou não emplacando nenhuma bilheteria na casa do bilhão de dólares. E a imagem de Iger foi arranhada durante a greve dos atores e roteiristas, que buscavam ganhos adequados e regulamentação do uso de inteligência artificial. Ele disse que as reivindicações não eram realistas, e Fran Drescher, presidente do sindicado dos atores, rebateu dizendo que "(Bob Iger) não tem ideia do que realmente está acontecendo com os trabalhadores dedicados que não ganham nada perto do salário que ele recebe". O valor pago pela Disney ao executivo é cerca de 27 milhões de dólares por ano.

Fran levantou uma questão: é irreal milhares de trabalhadores exigirem remuneração adequada, ou um único homem acumular toda essa quantia de dinheiro? O raciocínio ganancioso de Bob é exatamente o mesmo de Magnífico. 

No filme temos Asha, a protagonista, uma mulher comum que sonha ver o desejo de seu avô realizado. Ao saber que isso talvez nunca aconteça, ela sugere que Magnífico devolva os desejos ao povo. Se a classe operária tudo produz, a ela tudo pertence. Asha é um ícone da luta de classes e nem sabe. 

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A confusão do filme se instaura nesse momento em que Magnífico é confrontado. Sem spoilers, ele tem uma música para ilustrar como se sente frente ao levante do povo: “é assim que me agradecem”, ele canta, certo de que faz mais do que deveria, mantendo o povo na eterna manutenção de sua riqueza. 

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Asha e o reino de Rosas, munidos de todos os elementos que fizeram da Disney o que ela é, soam como um grito dos artistas sufocados pelas metas ambiciosas da empresa. Em 2021, os animadores da Pixar relataram limitações impostas pela Disney na abordagem de temática LGBT, que dizia que essa representatividade poderia afastar o público. O lucro estava se sobrepondo à expressão artística - e humana. Colaboradores da Marvel relataram condições desumanas de trabalho na criação dos efeitos visuais - um processo que o estúdio terceiriza. Em busca de bilheterias parrudas, Bob Iger colocou tanto a Disney Animation quanto a Pixar para fazerem continuações - algo conhecidamente impopular entre os funcionários. Nesta leva, vem aí "Frozen 3", "Frozen 4" e "Toy Story 5". 

Resta saber o quanto de magia restará de uma estratégia que está substituindo o encantamento pela busca incessante por rentabilidade. 

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