Documentário da Netflix sobre terapias de 'cura gay' acaba por divulgar quem não deve

Produzido por Ryan Murphy, filme pega leve com LGBTfóbicos.

A Netflix colocou no ar nesta terça-feira (3) "Pray Away", documentário que tem Ryan Murphy como produtor executivo e aborda as terapias de "cura gay" nos Estados Unidos.

Divulgação/Netflix

O longa acompanha pessoas que passaram pelo processo e o abandonaram, mas também quem acredita ter abandonado a homossexualidade e se engaja em um novo movimento. Líderes do Exodus, instituição política e religiosa que promovia essa violência também são entrevistados.

A maior parte deles se arrepende e, como era de se esperar, não manteve a vida moralista de antes, muito embasada em ganhar capital político para conservadores.

Um dos entrevistados é John Paulk, que nos anos 90 foi considerado o "ex-gay" mais famoso dos Estados Unidos, figurinha carimbada em talk shows e debates.

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Depois de "abandonado" a homossexualidade, casou-se com uma "ex-lésbica" e teve três filhos. O casal virou peça de propaganda para o projeto Exodus, mas isso não durou muito. Ele foi flagrado em um bar LGBT e ganhou as manchetes no dia seguinte.

Hoje, é gay e vive um relacionamento com outro rapaz. Sua ex-esposa, Anne Palk, tratou de fundar um novo movimento de terapia de conversão. E é aí que reside o problema de "Pray Away".

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Por mais que conte histórias de violência, o documentário dirigido por Kristine Stolakis segue os passos de quem acredita na infame "cura gay", caso de Jeffrey McCall, que se diz ex-transexual e sai pelas ruas pregando a "Bíblia" e dando seu testemunho.

Divulgação/Netflix

Jeffrey tem uma linha de aconselhamento para pais de LGBTs e, por telefone, os orienta a não aceitar seus filhos. Também fundou uma instituição para chamar de sua, com direito a uma marcha anual. O espaço dado a esse personagem é enorme e acaba, ainda que sem querer, servindo como publicidade para seu projeto LGBTfóbico.

Tão logo acabou o filme, fui dar uma stalkeada em seu Instagram, repleto de mensagens bíblicas. Surpresa: ele segue pelo menos quatro ex-participantes de "RuPaul's Drag Race", o que não significa muito, mas é, no mínimo incoerente com quem condena tanto a homossexualidade.

A impressão que se tem é que os ditos "ex-gays" estão tão desesperados por fazer parte de algo, seja um grupo ou um trabalho, que passam por cima da própria orientação para viver uma mentira. E essa mentira pode machucar muita gente.

Somente nos Estados Unidos, mais de 700 mil pessoas foram submetidas a projetos de "cura gay".

Divulgação/Netflix

A violência é extrema. E a rigidez enorme. Pessoas não podem fazer amizade nas redes sociais por medo de transarem com colegas e são obrigadas até mesmo a pedir demissão de seus empregos. Todos os seus atos têm de ser descritos em reuniões. Estereótipos de gênero são reforçados, com homens obrigados a jogar futebol americano e mulher a ter aulas de maquiagem. E boa parte deles ouvem de lideranças que ser LGBT nasce de algum tipo de abuso sexual e do distanciamento da figura masculina.

Além de usar da psicologia para fins nefastos, está mais do que claro que esse tipo de "terapia" não funciona, além de aumentar a ansiedade e funcionar como recrutamento para igrejas fundamentalistas. Não à toa, hoje surgiram os "ex-ex-gays", os arrependidos, que ajudaram a divulgar projetos LGBTfóbicos.

No caso do Exodus, que se tornou o maior do mundo, as coisas mudaram. A instituição fechou as portas em 2013 e pediu desculpas. Filhotes dessa iniciativa, no entanto, surgiram, inclusive no Brasil.

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Ao contar histórias de quem ainda acredita que a homossexualidade é um pecado, o documentário perde a chance de potencializar ainda mais a experiência de opressão vivida por alguns de seus personagens.

Divulgação/Netflix

Caberiam mais histórias, mais depoimentos. E uma lembrança: para quem acredita nos princípios cristão, Deus é amor. O amor ao próximo é obrigação.

E vários pecados já caíram por terra, como a proibição de comer carne de porco, usar dois tecidos, barba ou a ordem para apedrejar em caso de adultério.

Os LGBTs continuam sendo alvo das igrejas pura e simplesmente por razões políticas. É a partir de nossa comunidade que os reacionários desinformam e tentam ganhar votos. Não há porque mostrar mais gente que colabore para esses terríveis projetos.

Ainda assim, segue muito importante falar sobre o assunto.

O trailer de "Pray Away" pode ser visto aqui:

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