De que vale a diversidade entre os indicados ao Emmy se os vencedores são sempre brancos?

Precisamos conversar sobre a falsa representatividade.

Durante a noite do último domingo (19) rolou a 73ª edição do Emmy, um dos maiores e mais prestigiados prêmios da televisão. Neste ano, a premiação se tornou histórica por garantir mais diversidade entre os indicados. Porém, todos os 12 principais prêmios de atuação foram distribuídos para atores brancos.

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Michaela Coel, atriz e criadora da série “I May Destroy You”, e a drag RuPaul, do aclamado reality “RuPaul’s Drag Race”, foram os únicos artistas negros premiados na cerimônia. Mas nenhum deles ganhou entre as principais categorias do Emmy 2021.

Reprodução | Michaela Coel e Michelle Visage, RuPaul, Gottmik e Symone / Getty Images

Isso nos faz questionar sobre os conceitos de representatividade e proporcionalidade. De que vale termos apresentadores negros, esquetes negras, comerciais negros, musicais negros e séries majoritariamente negras entre os indicados, junto a um discurso inclusivo, se os vencedores nunca são os profissionais negros? 

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Viola Davis se tornou, em 2015, a primeira atriz negra a ser premiada por um papel principal na cerimônia. Desde aquela época, Viola trouxe em seu discursos reflexões importantes para entendermos o que diferencia profissionais negros dos demais. 

“Me deixem dizer algo: a única coisa que separa mulheres negras de quaisquer outras mulheres é a oportunidade“, disse Viola em seu discurso. “Você não pode vencer um Emmy por papéis que não existem", pontuou.

Já é um fato que a indústria do entretenimento tende a pensar que profissionais negros só podem ser escalados para interpretar papéis especificamente escritos para personagens negros. Papéis que costumam ser secundários, que não possuem o seu enredo desenvolvido e que normalmente não se aprofundam em suas histórias ou falam sobre suas motivações.

Imagem: Reprodução | Gabriella Sales

Isso porque a função destes papéis na trama é servir de suporte para os protagonistas brancos se desenvolverem ao longo de um filme, de uma série ou até de um reality.

Por muitos anos, o elenco e, sobretudo, a equipe técnica da maioria das produções eram compostas por pessoas brancas, reafirmando como a segregação racial ainda deixa muitos resquícios nos Estados Unidos desde a década de 1970. Isso influencia diretamente nas comissões que definem os vencedores das principais premiações do mundo. Afinal, quem julga os trabalhos de profissionais negros são justamente essas pessoas brancas que dominam o circuito artístico de Hollywood há anos. 

Os números da representatividade negra no cinema e na televisão evidenciam explicitamente como o racismo existe e age dentro desta indústria. Pesquisadores da University of Southern Califórnia analisaram mais de 30.000 personagens nas obras de maior bilheteria e alcance entre 2007 a 2014, e verificaram o quão desproporcionais são as oportunidades. Como exemplo, em meio aos 100 maiores filmes de 2014, somente 17 tiveram atores negros como personagens principais.

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Esses números apresentados são apenas uma parcela da desequilibrada balança do entretenimento nos Estados Unidos. No Brasil, a situação é ainda pior.

Rede Globo

Segundo a pesquisa “Raça e Gênero nas Novelas dos Últimos 20 anos”, realizada pelo GEMAA (Grupo de Estudos Multidisciplinares de Ação Afirmativa da UERJ), entre 1995 e 2014 apenas 10% dos personagens centrais de telenovelas brasileiras foram negros. Na imagem, vemos o elenco principal da novela "Segundo Sol".

Atualmente muitas pessoas questionam essa realidade, cobrando por mais diversidade e por mais obras protagonizadas por artistas negros. Porém, a análise da especialista Aline Pereira diante dos resultados do Emmy 2021 nos leva a uma discussão ainda mais importante: quanto vale uma diversidade que nunca leva as minorias ao topo?

O conceito da representatividade é inspiracional, ou seja, é servir de modelo para uma pessoa ou uma minoria que compartilha entre seus membros um mesmo marcador social. Porém, poucas vezes paramos para pensar como essa palavra surge a partir de um problema, que é a ausência de determinados grupos dentro de certos espaços. Uma vez que acessamos a nossa representação em meio aos indicados de premiações como o Emmy, temos um desafio ainda maior, que é a proporção nos resultados.

A representatividade depende de boa vontade ativa, já a proporcionalidade depende necessariamente da inclusão. Para exemplificar e resumir o que quero dizer, uso as palavras da Ana Bavon, consultora em diversidade:

Reprodução

"A proporcionalidade é o espelhamento que buscamos de forma estratégica, ou seja, se a representatividade é ato que garante que pessoas negras desejem ocupar espaços, a proporcionalidade é resultado da entrada de novos agentes inspirados pela representatividade”

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Sendo assim, nós precisamos pensar para além da representatividade, e o discurso de Michaela Coel após vencer a categoria de 'Melhor Roteiro de Minissérie' ilustrou muito bem isso.

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"Escreva o conto que te dá medo e insegurança, que é desconfortável. Eu te desafio. Num mundo que fica tentando nos atrair para várias coisas diferentes, não tenha medo de desaparecer só por um tempo e veja o que vem para você no silêncio", disse a atriz em seu discurso histórico.

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