Conheça as mulheres que fogem do estereótipo dos apoiadores de Trump

Chamada de "eleitora da Ivanka", ela não aparece nas fotos dos comícios nem carrega placa de apoio ao candidato republicano. Ela não gosta de tudo o que ele diz. Mas ela votará nele.

BuzzFeed News; Getty

Existe um tipo de apoiador de Donald Trump que raramente aparece nos comícios, mas cuja existência tem sido repetidamente demonstrada em pesquisas de intenção de voto. Vamos chamá-la de "Eleitora da Ivanka". Ela vive em bairros de classe média alta. Ela tem grandes realizações, mas em nada fora do tradicional. Ela pode ser de meia-idade, com filhos no ensino médio ou na faculdade, ou uma dona de casa. Ela pode ser uma profissional promissora que ainda não se casou. Ela vive em bairros abastados — lugares como Rochester (Michigan), Indian Hill (Ohio), Eden Prairie (Minnesota) e Haverford (Pensilvânia). Ela teve que dirigir para chegar até o comício, pois, no lugar onde ela mora, pouca gente iria ver Trump se o candidato republicano viesse. Ela veste jeans caros enfiados em botas de cano alto. Ela não usa uma camiseta do Trump — mas ela pode colocar um bottom na sua blusa da moda. Ela compra na Macy's e na Marshall's.

Essa eleitora está quase que inteiramente ausente das imagens que se proliferam em torno de Trump e seus eventos de campanha. Os retratados nesses locais tendem a ser homens e mulheres com sobrepeso, cortes de cabelo ruins e com camisetas grosseiras. Eles podem ter dentes feios. Eles podem estar exaltados, com seus rostos vermelhos e berrando ofensas racistas. Eles são a excessivamente mistificada "classe operária branca": homens e mulheres deixados para trás pela globalização, ignorados por ambos os partidos e magnetizados por Trump.

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Jim Urquhart / Reuters, , , ,

No entanto, apesar de haver muitos desses "homens brancos raivosos" nos comícios de Trump, a renda média de seu eleitor durante as primárias republicanas foi de US$ 72.000 — US$16.000 a mais do que a média nacional. Mesmo assim, as imagens persistem. Muitos liberais com formação superior se apegam a eles como prova do quão diferente, do quão Outro o eleitor de Trump é: ele vive em outro lugar, age como outra pessoa, acredita em outra coisa.

A Eleitora da Ivanka não é o eleitor estereotipado de Trump. Ela não tem uma placa de apoio a Trump na frente de casa – ou porque atirariam ovos nela ou porque ela não quer brigar com os vizinhos. Ela sabe tudo sobre a marca e a linha de roupas de Ivanka e acha que a filha de Trump ficaria ótima na Casa Branca, porque ela tem classe, é sofisticada, refinada e articulada, tudo o que o pai dela não é. Ela deixa bem claro que não concorda com tudo o que Trump diz. Ela não se acha racista. Ela se descreve como "socialmente moderada".

Mas ela votará nele.

Esse é um retrato generalizado, mas que reflete conversas que tive com várias mulheres nos comícios de Trump nos Estados de Ohio, Michigan e Wisconsin, falando sobre si mesmas e suas amigas e vizinhas que não estavam lá. É difícil para vários liberais conciliarem a Eleitora da Ivanka com seu entendimento sobre as eleições, em parte porque ela é familiar demais: ela pode ser sua mãe, sua amiga ou sua avó. Ela é a pessoa que já ouvimos ser mencionada em termos como "acho que a minha tia talvez seja uma apoiadora do Trump, mas não quero tocar no assunto".

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A Eleitora da Ivanka internalizou o fato de que votar em Trump não é algo que se faça em público.

Isso acontece porque a Eleitora da Ivanka internalizou o fato de que votar em Trump não é algo que se faça em público: ou porque ela pensa que falar sobre política é brega (mesmo hoje, essa é uma crença predominante) ou porque ela simplesmente não quer lidar com a repreensão alheia ao seu voto. Como Jennifer, uma mulher de cinquenta e poucos anos de Rochester, Michigan, me disse: "É quase como se fosse um julgamento moral".

Nesses comícios, essas mulheres se destacam não por estarem vestidas de forma diferente, apesar de estarem, mas por sua discrição. Elas não estão brandindo cartazes dizendo "MULHERES POR TRUMP". Elas ficam bem atrás — é o primeiro comício ao qual elas foram na vida, porque nunca se viram como politicamente ativas. Elas vieram em pares, com um grupo de amigas, não com seus maridos — eles estão no trabalho. Elas não cantam junto. Quando um repórter de TV passou pelo comício de Warren, Michigan, e pediu para que duas dessas mulheres aparecessem diante da câmera, elas se recusaram educadamente. Nenhuma das mulheres com quem conversei quis que seus nomes completos ou quaisquer fotos delas fossem veiculados. Elas ficaram satisfeitas em falar de seus motivos para votar em Trump, mas também estavam preparadas para se defenderem: "Escuta aqui, não estou dizendo que eu concordo com tudo o que ele diz", disse-me Michelle, outra mulher de Rochester, um dos bairros mais ricos de Detroit.

No início da campanha eleitoral, Michelle até apoiava Hillary — ela não gostava de ninguém do Partido Republicano. Nos anos 1990, ela votou em Bill Clinton. Ela apoia o casamento gay. "Não sou contra o aborto", disse. "Só sou contra o aborto tardio". Ela gosta do fato de Trump não ser superreligoso ou um superconservador social como Ted Cruz, porque ela mesma não é particularmente religiosa. Mas, nos últimos meses, ficou claro que ela precisa votar em Trump — porque Hillary é corrupta e tem que ir para a cadeia, e ela não mudaria nada em Washington.

Sarah estava lá com sua amiga Vicky, que apoiou Trump desde o início. Ela tem um par de botas da marca de Ivanka e acha que a filha de Trump seria maravilhosa em qualquer cargo no gabinete, especialmente aqueles que tirassem proveito de suas habilidades interpessoais fenomenais.

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Clodagh Kilcoyne / Reuters

Ivanka Trump na inauguração de um campo de golfe em Turnberry, na Escócia, em 24 de junho de 2016.

Vicky diz ter falado com vários empresários que irão votar em Trump. "Há pessoas no sul do nosso condado que são mais elitistas, mais liberais", explica, o que é o motivo pelo qual Obama venceu na região em 2008 e 2012 e pelo qual as pessoas de lá não querem dizer que votarão em Trump. "As pessoas simplesmente te atacam no Facebook, te chamam de racista, de machista, de idiota, dizem para você se medicar. Nem conheço essa gente, elas estão na página do Facebook de uma amiga e dizem isso pra mim!"

Hoje em dia, Vicky ainda posta ocasionalmente com a hashtag #MAGA ou #Trump16, mas Sarah evita postar qualquer coisa sobre política. Elas dirigiram por 40 minutos até Warren — um lugar aonde elas raramente ou nunca vão. "Aqui tem muita indústria automobilística", disse Sarah. "É daqui todos os trabalhadores sindicalizados que viraram republicanos nos anos 80. É por isso que Trump quis vir para cá".

Elas estão cada vez mais convencidas de que Trump pode vencer em Michigan, em parte porque elas acreditam que as pesquisas e as eleições são fraudadas. "Você ouviu falar daquele condado em Nova Jérsei onde 100% das pessoas votaram no Obama na eleição passada?", perguntou Vicky. "Isso aí é simplesmente impossível!" (possivelmente, ela se referia a uma alegação, divulgada por memes e por Sean Hannity, de que Obama teria recebido 100% dos votos em 59 distritos na região da Filadélfia. O PolitiFact mostrou que 59 divisões, que no total somam apenas 660 pessoas, votaram exclusivamente em Obama — divisões essas localizadas em seções predominantemente afro-americanas da cidade. Para mais contexto, leia reportagem em inglês aqui)

Quanto às acusações de assédio sexual contra Trump, as mulheres com quem falei estavam tranquilas. "Você ouviu o que a Madonna disse no Madison Square Garden?", perguntou Sarah. "Ela disse que chuparia o pau de qualquer um que votasse na Hillary, que ela não cospe, ela engole. E que a Miley Cyrus se curvou e disse para 'lamber isto aqui'? Isso sim é nojento". Outra dupla de eleitoras de Rochester tinham uma lógica semelhante, especialmente quanto às fitas do Access Hollywood, que mostraram Trump dizendo que poderia agarrar as mulheres "pela boceta". "Já ouvi falar que a própria Hillary é bem boca-suja" — um contraste e tanto com Ivanka, a quem elas descrevem como "sofisticada", "majestosa" e "comedida", e cujos sapatos de salto uma delas experimentou um dia desses.

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Na lógica desta eleição, é possível não gostar de um candidato, mas votar nele mesmo assim — e muitas mulheres descobriram um jeito de superar, ou ao menos ignorar, sua aversão a Trump.

Além disso, elas tinham a sensação de que várias pessoas em seus bairros apoiavam Trump — e que simplesmente não estavam colocando placas ou falando sobre suas preferências políticas no Facebook. "Não é como nas eleições de 2000. Não quero tomar uma cerveja com o cara", disse-me Denise, uma mulher na casa dos cinquenta anos vestindo uma blusa requintada com gola de pele. "Não quero ser amiga dele... Não acho que frequentamos os mesmos círculos".

O grande indicador do que a Eleitora da Ivanka é, contudo, é o que ela não é. Diferentemente de várias apoiadoras com quem conversei sobre as acusações contra Trump, as Eleitoras da Ivanka não contam histórias sobre como seus pais ou maridos falam com elas de um jeito similar ao de Trump. Elas não protestam contra o politicamente correto nem menosprezam o trabalho de Michelle Obama, que tentou colocar opções saudáveis nas merendas escolares, como uma "causa inútil" ou "estúpida", como uma eleitora de Trump já descreveu para mim. Ao contrário, as Eleitoras da Ivanka provavelmente compram alimentos saudáveis, fazem Pilates e talvez até admirem Michelle Obama. Elas não gostam da Hillary, mas acham as camisetas com "Monica [Lewinsky, com quem Bill Clinton teve um caso extraconjugal] Cospe, Hillary Engole" de mau gosto.

A maioria dessas mulheres não vai a esses comícios porque a campanha inteira de Donald Trump, incluindo o circo que se acumula em torno dele e a retórica que o inunda, é uma verdade inconveniente que elas preferem ignorar. A melhor forma de ignorá-la, claro, é permanecer em silêncio — assegurando assim que elas não tenham que conversar ou articular uma defesa do que implicitamente estão apoiando. É por isso que Ivanka virou um talismã: "Se Trump produziu alguém com essa classe, é um bom sinal", disse-me uma mulher. Ivanka funciona, então, como uma facilitadora: uma Trump asséptica, tranquilizadora e sofisticada que torna menos problemático votar no pai dela.

Historicamente, mulheres brancas de classe média têm uma tremenda influência eleitoral nos Estados Unidos, sendo variadamente chamadas de Soccer Moms, Hockey Moms, Security Moms ou parte da Maioria Silenciosa. Essa influência decorre de seu grande número, assim como de seus padrões de voto: mulheres brancas, com mais 30 anos, com ensino superior — por exemplo, o grupo amplamente referido pelos órgãos de pesquisa eleitoral como "mulheres suburbanas" — votam em proporção significativamente maior do que homens não brancos, mais jovens e sem ensino superior. Mulheres suburbanas brancas, em outras palavras, votam — e não deixa de ser relevante o fato de elas não enfrentarem a mesma exclusão sistêmica que muitos cidadãos (que não são brancos e nem pertencem à classe média alta) sofrem.

Essas eleitoras de classe média têm sido há muito tempo caracterizadas como conservadoras, quando o assunto é impostos, e de moderadas a liberais, em temas sociais. Elas têm dinheiro. Elas gostam do programa da Ellen DeGeneres. Elas se preocupam com a segurança de seus filhos. Elas investem pesadamente para manter seu status quo. E, geralmente, são eleitoras sem fidelidade partidária: elas votaram em Clinton em 1996, George W. Bush em 2000 e 2004, Obama em 2008 e Romney em 2012.

Elas não são feministas propriamente ditas, mas também não acham certo "agarrar mulheres pela buceta" ou denegrir mulheres como um todo. É por isso que a campanha de Clinton tem mirado especificamente nelas, especialmente em Estados onde a competição é acirrada, como na Pensilvânia. Antes do primeiro debate, Hillary estava 11 pontos acima entre elas e, mesmo sem dados de pesquisas recentes, parece que ela irá conquistar esse público como um todo.

Trump é visto negativamente por 60 a 70% das mulheres de classe média — uma estatística que afundaria completamente a maioria dos candidatos. Mas, na lógica desta eleição, é possível não gostar de um candidato, mas votar nele mesmo assim — e muitas mulheres descobriram um jeito de superar, ou ao menos ignorar, sua aversão a Trump. E, à medida que ele entra na reta final da campanha sem uma gafe recente e a disputa começa a ficar mais acirrada, vai ficando muito mais fácil para que elas adentrem a privacidade da cabine de votação, onde ninguém as julgará, fechem seus olhos e pensem em Ivanka.

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Brendan Mcdermid / Reuters

Ivanka Trump apresenta seu pai antes de ele anunciar formalmente sua campanha como candidato Republicano à Presidência dos EUA nas eleições de 2016.


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