Como aprendi a dizer "não" durante o sexo e fui ignorada mesmo assim

Perceber a diferença entre sexo ruim e abuso sexual é uma caminhada longa. Mas existe um elemento comum entre todas essas situações.

BuzzShe

Por muito tempo transei sem ter vontade porque tinha medo de dizer “não”.

Eu tenho muita dificuldade em dizer “não” e isso já me colocou em muitas roubadas. Uma delas foi transar sem vontade. Fazia isso e não refletia muito sobre, até que um dia me senti um lixo pelo jeito como fui tratada e passei a rever a forma com que me relacionava com os homens.

Estava ficando com o cara e fomos para a casa dele transar. No meio da coisa toda, senti que eu era apenas um buraco. Ele não se preocupou com as preliminares, mal me tocou, logo penetrou e seguiu transando como se fosse uma britadeira. Estava ruim, eu não sentia prazer e fiquei torcendo para ele gozar o mais rápido possível.

Ele gozou e então pediu para que eu fosse embora porque ele namorava. Durante a noite toda ele não mencionou a namorada. Só fez isso para pedir que eu não contasse a ninguém o que tinha acontecido.

Fui embora indignada: COMO EU TINHA ME COLOCADO NESSA SITUAÇÃO???

Transei sem vontade e fui tratada como… bem, nem consigo definir como fui tratada. Não esperava uma declaração de amor, nem nada do tipo, eu só queria gozar e ser respeitada (do mesmo modo que ele).

Fabricio Orellano / Behance / Via behance.net

Então decidi interromper o sexo quando não queria e me sentia apenas um objeto.

Eu gostaria de dizer que mudei do dia para a noite e não transei mais sem vontade, mas a vida não é assim, né? Transei mais algumas vezes sem vontade até me dar conta que precisava ter uma postura ativa para que isso não rolasse mais.

Até que fiquei com um cara que me xavecou por meses.

Ele queria muito ficar comigo e parecia me curtir. Decidi dar uma chance quando o encontrei sem planejar num bar. Nós conversamos, ele me fez rir e nos beijamos. Ele morava bem perto dali, fomos para a casa dele e começamos a transar. E novamente percebi que o cara estava me tratando como um buraco. Não entendia porque isso estava acontecendo, já que parecia que ele me considerava muito.

Então eu o afastei de mim, disse que não queria mais transar, levantei e fui embora!

Isso aconteceu faz cinco anos. Pra mim, essa foi a minha maior vitória no sexo. Estava muito feliz porque tinha conseguido dizer “não”. Sentia que ninguém mais iria fazer com que eu me sentisse um lixo, nem a chuva que caía quando eu fui embora.

Mas eu estava enganada.

Fabricio Orellano / Behance / Via behance.net

Dizer "não" não impediu que eu fosse abusada sexualmente.

Eu tinha ficado algumas vezes com um amigo, já tínhamos transado e as coisas andavam bem. Até que estávamos num churrasco na casa em que eu morava com outras colegas de faculdade, subimos na laje e começamos a nos beijar. Ele começou a tirar a minha calcinha para transarmos ali mesmo. Eu não queria por muitos motivos, principalmente porque qualquer amigo nosso poderia subir ali. Eu disse não e afastei a mão dele. Ele ignorou. Eu disse não, não, não, ele forçou, enfiou seus dedos na minha vagina e me machucou. Eu o afastei e ele só parou porque o celular dele caiu e rachou a tela.

Ele foi embora e eu fui para o banheiro. Então percebi que eu estava sangrando. Ele tinha me machucado de verdade. Mais tarde, todos os nossos amigos iriam para uma festa e eu desisti de ir. Todos os meus amigos gostavam muito dele e ele era o tipo de cara que sempre está no centro das atenções. Eu sabia que os nossos amigos não entenderiam, já que eu tinha ficado algumas vezes com o cara.

Depois de alguns dias, mandei uma mensagem para o cara relatando o que aconteceu e o que aquilo era: abuso sexual. Sabe qual foi a resposta dele?

"VOCÊ NÃO DISSE ‘NÃO’ COM TANTA ÊNFASE!!!"

Ou seja, dizer não e tomar uma postura ativa não evitou que eu fosse violada e muito menos que eu me sentisse um lixo ou apenas um buraco.

Fabricio Orellano / Behance / Via behance.net

Com isso, aprendi que:

1. Muitas mulheres têm dificuldade para dizer "não" durante o sexo porque são ensinadas desde cedo a agradar, principalmente quando se trata de homens.

Minha mãe é uma mulher muito forte e sempre ouvi críticas a ela por ser desse modo. Meus amigos sempre me disseram que eu não namoraria porque sou crítica demais. Quando respondo negativamente o assédio na rua, muitos homens me xingam. Numa festa, eu já disse “não” para um rapaz e como resposta tive meu rosto mordido. Quando eu era adolescente, neguei um beijo e fui empurrada contra a parede pelo meu namoradinho.

O tempo todo estão comunicando às mulheres que elas devem ser agradáveis e não ter opinião própria. Por isso, dizer "não" a um homem quando se trata de sexo ruim é tão difícil. Já ouvi que sou frígida e muito conservadora porque recusei sexo. E a tudo isso precisamos dar o nome correto: machismo.

2. Sexo ruim não é abuso, mas ser tratada como um objeto é machismo.

Homem ADORA falar que transa muito, que isso e aquilo outro, mas vamos sinceras? A maioria transa muito mal porque é machista e só consegue pensar no próprio pinto. Sexo bom mesmo é quando os dois gozam, mas o que mais encontramos por aí são homens que gozam e praticamente transam sozinhos.

Muita coisa pode tornar o sexo uma experiência ruim e nem todas envolvem machismo. Mas precisamos deixar claro que quando uma mulher é tratada como se fosse uma boneca inflável durante o sexo, isso é machismo.

3. Por mais que uma mulher diga “não”, nem sempre ela será ouvida.

Quando percebi o que tinha acontecido comigo e que o cara tinha abusado de mim sexualmente, perguntei para mim mesma: por que isso aconteceu sendo que eu disse “não” tantas vezes?

Ter um “não” ignorado durante o sexo não é só machismo – também já entra em violência e essa violência pode ser crime. E não adianta apenas cobrarmos das mulheres que elas aprendam a dizer “não”: os homens precisam aprender a entender o significado dessa palavra tão curta e clara.

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