Visibilidade Lésbica: reconhecer quem veio antes de nós é essencial para entender para onde vamos

Conheça Mônica Pita, uma mulher lésbica, de 59 anos, e atuante nos movimentos sociais

“Eu sou três vezes invisível, né? Mulher, lésbica e idosa”. Essa foi uma das frases que Mônica Pita, de 59 anos, me disse durante o nosso papo para esta coluna.

Arquivo Pessoal

Eu decidi entrevistar a Mônica no mês da Visibilidade Lésbica porque, como uma pessoa que faz parte da sigla LGBTI+, eu acho que, muitas vezes, nos falta conhecimento (e, também, reconhecimento) de quem veio antes da gente.

E a Mônica é uma dessas pessoas. Aos 19 anos, ela se apaixonou por uma mulher pela primeira vez e, a partir daí, viveu uma vida de militância (e com bastante discriminação).

Ela entrou para o movimento social, participou da primeira parada LGBTI+ de São Paulo, perdeu a bolsa da faculdade, foi demitida, perdeu amigos, foi expulsa de restaurantes, apanhou na rua, conheceu uma mulher por quem se apaixonou, namorou por 25 anos e, no ano passado, se casou.

Ao longo desses últimos 40 anos de militância a participação política, cabem inúmeras vidas para a Mônica, mas eu selecionei alguns dos pontos mais importantes da nossa conversa para vocês:

Publicidade

Como foi o seu processo de se descobrir uma mulher lésbica?

Mônica em uma entrevista para a "Revista Manchete", na década de 1980. Reprodução

"Em 1984, eu me apaixonei por uma mulher. E eu conheci um grupo político e entrei no movimento. Levantei a bandeira para lutar por isso. Sofri muito. Eu fazia faculdade de Serviço Social, com uma bolsa. Para isso, você tinha que ter notas ótimas e eu estudava muito. Um dia, um professor de psicologia estava falando sobre 'minorias' e falou das pessoas homossexuais com um tom ruim. Então, eu me levantei e perguntei para ele o que ele achava de mim e ele me elogiou, falou que as minhas notas eram boas. Aí eu falei 'e se eu te falar que eu sou homossexual?'. E ele falou 'Imagina!' e achou que eu estava confrontando ele. A grande maioria na sala eram mulheres e eu tinha apenas um amigo que sabia de mim. E eu lembro que ele me segurava e falava 'Mônica, não fala, não se expõe, você vai se arrepender. Você vai sofrer'. Eu não pensei nas consequências mesmo. Quando eu cheguei na faculdade, no outro dia, todo mundo me olhava como se eu fosse um bichinho de zoológico. Me chamaram na diretoria uns dias depois e deram uma desculpa qualquer para dizer que não podiam mais manter a minha bolsa de estudos. 

Naquela época ainda não tinha o crime de homofobia, né? E, com isso, eu perdi o meu estudo e nunca mais consegui voltar para a universidade. Era muito caro e eu tinha que trabalhar, não tinha como pagar. 

Se eu paro para pensar em algum arrependimento que eu possa ter hoje, talvez seja esse. Porque a minha vida profissional não é das melhores hoje em dia. Então acho que isso ainda me pega, sabe? Eu estava no impulso da militância, eu estava no impulso da pessoa apaixonada, de querer ser o que eu sou."

Do começo da sua participação nos movimentos LGBTI+ até hoje, você acha que o preconceito mudou muito?

Mônica na 1ª Parada LGBTI+ de São Paulo. Crédito: Reprodução.

"Acho que passei todos os preconceitos que uma pessoa LGBTI+ pode passar. Muito do que me deixa chateada hoje ainda é que muitas pessoas não dão valor para o que eu e outras pessoas, na nossa época, passamos, entende? Porque nós fomos pioneiras nessa época, de 80 pra 90, abrimos janelas e portas, e isso não é valorizado. Eu estava na primeira Parada LGBTI+ de São Paulo. Veja como era: eu tinha uma bandeira LGBTI+ que eu tinha que levar escondido dentro da mochila e só abrir na Avenida Paulista, porque lá, teoricamente, entre muitas aspas, eu estaria protegida. Eu nunca podia sair de casa com a bandeira nas costas, coisa que muitas pessoas podem fazer hoje. É claro que as pessoas ainda olham, não comentam, mas olham. Então, se você me pergunta se eu acho que o preconceito é pior ou melhor hoje, eu te digo que ele está igual, mas está camuflado, porque a homofobia é crime. Talvez, a pessoa não vá te xingar, mas ela guarda o preconceito internalizado. Ele ainda é muito latente."

Publicidade

Você se casou após um namoro de 25 anos. Como foi tomar essa decisão?

Freepik

"No ano passado, eu e a minha namorada decidimos nos casar no civil. Hoje eu tenho 59 anos, e ela 61. Nós resolvemos nos casar depois de quase 25 anos juntas. Tudo aconteceu porque eu caí no metrô, fraturei a perna e machuquei o quadril. Eu fui para o hospital sozinha, porque eu sempre fui muito independente e chegando lá o médico falou que eu tive muita sorte de não ter me machucado mais severamente.

Enquanto eu estava lá esperando o resultado dos exames, eu comecei a pensar: e se eu precisasse de alguém? A minha irmã está a quatro horas de viagem de onde eu vivo. Se a minha esposa, que, naquela época era namorada, chegasse no hospital, quem seria ela? Uma amiga? Não ia poder entrar, não ia poder assinar nada. 

Voltei para casa e, no dia seguinte, eu falei com ela: olha, precisamos nos casar. Nós já tínhamos pensado nisso, claro, já estávamos nessa construção, mas fomos práticas. As pessoas, às vezes, me falam “ah, mas vocês estão pensando só lá na frente”. Exato. Porque, lá na frente, você vai se perguntar porque não se casou antes. 

A gente tem que se cuidar porque amanhã você não sabe o que acontece. E, com o casamento, você tem um amparo da lei, você tem direito a uma aposentadoria, à casa que vocês compraram juntas, aos móveis que vocês compraram, aos bens. Isso dá uma certa segurança. Eu não sei o que vai acontecer comigo e com a minha esposa. Pode ser ela, pode ser eu. Mas, hoje, a gente tem pelo menos uma casa, mesmo que a outra vá embora. Nós vamos ter as coisas que compramos juntas, vai ser nosso. Sem que as famílias queiram interferir em alguma coisa.

Tenho que deixar uma coisa clara: eu sou apaixonada pela minha esposa. Nós somos apaixonadas uma pela outra. Nós não moramos juntas, mas nos falamos todos os dias. Todos os dias a gente fala 'eu te amo' uma para a outra. Ela sabe dos meus passos, eu sei dos dela, embora cada uma leve uma vida independente na sua casa. Mas nós sabemos da nossa história. Isso é cultivar o amor. E é difícil para uma pessoa LGBTI+ cultivar o amor, diante de tantos preconceitos, diante de tanta homofobia. Você acaba se isolando."

A Mônica é uma das entrevistadas do livro “O Brilho das Velhices LGBTI+”, em que pessoas LGBTI+ acima dos 50 anos contam suas história de vida. O livro é incrível e vale a pena ler!

Reprodução

Você pode comprar o livro aqui.

Publicidade

Veja também