Bauhaus: a escola de arte vanguardista que revolucionou o mundo

Seu criador sonhava com um mundo onde máquinas seriam usadas para benefício humano.

Unindo beleza e funcionalidade, a Escola de Design Bauhaus propunha uma arte ligada aos interesses da indústria, levando em consideração também o lado prático e econômico dos projetos. Lá nasceu o desenho industrial como conhecemos hoje.

Reprodução | Escola Bauhaus

Criada em 1919, Bauhaus foi a primeira escola de design e arquitetura do mundo. A mais importante expressão do chamado Modernismo nas artes. Sua criação foi ideia de Walter Gropius, arquiteto alemão que serviu como oficial na Primeira Guerra Mundial. Sabendo que nunca mais esqueceria o que vivenciou nos campos de batalha, Walter transformou sua experiência em algo bastante diferente.

Depois do contato com o pesadelo dos conflitos e mecanismos de massacre, Gropius imaginou um mundo onde as máquinas seriam usadas para benefício humano, algo muito diferente das condições proporcionadas pela guerra. Algo viável para uma Alemanha construtivista. Mesmo sendo consideradas uma utopia, suas ideias causariam uma revolução no imaginário industrial, transformando matérias-primas do período em extensões criativas de nossas emoções e desejos. Uniu o trabalho dos artesãos ao dos artistas das belas artes com o objetivo de formar novas gerações de artistas, sem distinções de classe ou hierarquia.

O movimento De Stijl, nascido na Holanda em 1917, exerceu uma grande influência na Escola de Design Bauhaus. Dalí, surgiu o geometrismo em cores primárias de Mondrian, extensamente utilizadas na indústria cultural.

Reprodução | Piet Mondrian 1921

A Nike lançou um modelo de tênis nas cores que consagraram a obra de Mondrian. A marca Yves Saint-Laurent, em 1965, apresentou um vestido inspirado nessas composições. O frasco do perfume Chanel Nº 5 revolucionou o design moderno através da Escola de Design Bauhaus.

O que foi produzido e estudado em Bauhaus influenciou a estética moderna e funcionalista no mundo inteiro. Seus fundamentos estavam no Manifesto Bauhaus, lançado em 1919 pelo próprio Walter Gropius e que você lê abaixo:

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“Weimar, abril de 1919

O objetivo final de toda atividade plástica é a construção! Ornamentá-la era, outrora, a tarefa mais nobre das artes plásticas, componentes inseparáveis da grande arquitetura. Hoje elas se encontram em singularidade autossuficiente, da qual só poderão ser libertadas um dia através da consciente atuação conjunta e coordenada de todos os profissionais. Arquitetos, pintores e escultores devem conhecer e compreender de novo a estrutura multiforme da construção em seu todo e em suas partes; então suas obras se preencherão outra vez do espírito arquitetônico que se perdeu na arte de salão.

As antigas escolas de arte não eram capazes de criar essa unidade, e como poderiam, já que a arte não pode ser ensinada? É preciso que elas voltem a ser oficinas. Esse mundo de desenhistas e artistas deve, por fim, tornar a orientar-se para a construção. Se o jovem que sente amor pela atividade plástica começar, como outrora, pela aprendizagem de um ofício, o ‘artista’ improdutivo não ficará condenado futuramente ao exercício incompleto da arte, pois sua habilidade será preservada para a atividade artesanal, onde poderá prestar excelentes serviços.

Arquitetos, escultores, pintores, todos devemos retornar ao artesanato, pois não existe ‘arte por profissão’! Não existe nenhuma diferença essencial entre o artista e o artesão. O artista é uma elevação do artesão. A graça divina, em raros momentos de luz que estão além de sua vontade, inconscientemente faz florescer arte da obra de sua mão, entretanto, a base do "saber fazer" é indispensável para todo artista. Aí se encontra a fonte primordial da criação artística.

Formemos, portanto, uma nova corporação de artesãos, sem a presunção elitista que pretendia criar um muro de orgulho entre artesãos e artistas! Desejemos, imaginemos, criemos juntos a nova construção do futuro, que juntará tudo numa única forma: arquitetura, escultura e pintura que, feita por milhões de mãos de artesãos, se elevará um dia aos céus como símbolo cristalino de uma nova fé vindoura.”

O manifesto foi ilustrado com uma dramática gravura, exibindo uma catedral gótica em que seu capitel e nave central tocavam o céu estrelado.

A escola foi ponto de convergência das ideias vanguardistas e revolucionárias do Século XX na Europa. Sua atuação estava tão à frente de seu tempo, que transformou a forma de ensinar usando uma metodologia inovadora, baseada nas oficinas de artesanato. Essa metodologia, focada no aprendizado criativo e métodos práticos, é utilizada em muitas escolas de arte e ofício até hoje. Bauhaus era um lugar de preparação: não podemos entender a máquina se não entendermos as ferramentas do ofício.

Workshop de Comunicação, Bauhaus Dessau, 1926. Fotógrafo desconhecido.

A Bauhaus definiu o estudante moderno de arte. Anteriormente, as formas eram rígidas. Os alunos, predominantemente membros das classes-médias, se sentavam em fila, produzindo as mesmas coisas, como cópias de esculturas antigas, aquarelas etc. Com a Bauhaus, se introduziu um novo perfil de estudante de artes. Os estudantes viviam plena vitalidade artística. Pintavam sapatos sobre seus pés descalços, participavam de marchas e protestos etc. A consonância entre aprendizes e mestres era forte e, por seu próprio caráter, a escola atraiu estudantes politicamente radicais.

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Com o período da Grande Depressão em curso, o colapso financeiro era uma realidade. Então, alunos eram enviados aos ferros-velhos para pegar sucatas e o que mais encontrassem. Em seguida, estudavam os materiais coletados, averiguavam peças e a natureza de seus componentes. Alguns deles experimentavam a mistura com substâncias de diferentes naturezas, misturando até cabelos com engrenagens, na tentativa de experimentar a tridimensionalidade construtiva e criativa provocada pela liberdade que a escola inspirava. No desenho, dava-se muita ênfase às texturas e os aprendizes recriavam texturas de madeira, vidro, lã e o que mais pudesse parecer interessante em contraste com outras.

Reprodução | Karl Grill

Para entrar na Bauhaus, o aluno deveria apenas se inscrever no curso preliminar ao invés de fazer uma prova sobre história da arte ou soluções encontradas nas épocas passadas. Mais da metade do corpo estudantil era composto por mulheres. Estes inscritos trabalhavam imediatamente com formas abstratas nas tarefas preliminares, e lá aprendiam sobre materiais e suas texturas, assim como teoria das cores e outros conhecimentos. Uma espécie de gramática artística, que se aprendia por seis meses, com o objetivo de encontrar sua individualidade e direção. A prioridade era sempre o desenvolvimento intelectual, dando ênfase às emoções dos aprendizes.

Para a escola, o urbanismo era elemento primordial para o progresso da sociedade. Muitos designs e projetos criados pelos próprios alunos dentro da instituição (como edifícios, móveis etc) eram comprados pela Bauhaus para serem usados no futuro. Alguns deles trabalhavam lá dentro para continuar produzindo de forma remunerada. O caráter era democrático. Atividades colaborativas e pesquisas em conjunto tinham altíssima importância.

Com o desenvolvimento do sistema industrial e as movimentações urbanas, a classe rural da Europa estava quase destruída. Em movimento contrário, o designer têxtil e ativista William Morris fundaria a Arts & Crafts, que colocou o artesanato como alternativa para a sociedade britânica. Oficinas para artesãos surgem a partir disso, inclusive na Alemanha, mas com um diferencial: em seu processo artesanal, o país não descartou as máquinas industriais. Adiante, a Alemanha se tornaria a líder da indústria de criação e produção industrial do mundo.

Foto de Josef Breitenbach. Josef Albers dando aula de cores, Black Mountain College, verão de 1944.

Uma das maiores inovações que a Escola Bauhaus trouxe nas artes foram as aulas de habilidades manuais de fabricação, ensinadas por genuínos mestres artesãos da Alemanha - enquanto as inspirações estéticas vinham de artistas e desenhistas. A cerâmica era também ensinada por mestres artesãos da região. Esse feito deu base para a educação moderna de arte. Não havia mais separação entre o artista e o artesão. O aprendizado não costumava ser no papel, mas na experiência de manipulação de cada material, cada ferramenta, em diferentes volumes, pesos, temperaturas, texturas, densidades, níveis, forças, impactos… Sempre com a mão na massa e construindo peças como cadeiras (e outros tipos de mobiliário em madeira), vitrais, utensílios de vidro ou metal, tecidos e cerâmicas. O caráter era plenamente multidisciplinar e de produção impecável, com criações estéticas cumprindo sua funcionalidade prática.

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Vários artistas desse período desenvolveram um pensamento de viés construtivista devido ao pós-guerra. Com isso, uma nova filosofia acerca de cores e formas em espaços físicos passam a ser explorados pela escola. É como se, ainda que a arquitetura fosse o objetivo final, pintores pudessem introduzir um novo pensamento nessa construção. E foi o que aconteceu.

Sua influência no mundo deu cara às grandes metrópoles, não só por fora, mas também por dentro: ela transformou o interior de edifícios e outros locais com sua forma inovadora de pensar conforto e estética.

No ano de 1925 emerge na Alemanha um partido de extrema-direita que corta os fundos de investimento, o que obriga o fechamento da Bauhaus. Mas um convite feito pela cidade de Dessau levou a escola para seu território. Professores e alunos migram para a nova cidade, podendo continuar o trabalho desenvolvido. Para comportar a escola na nova localidade, Walter Gropious desenvolve seu primeiro edifício em Dessau. Tudo dentro do edifício e ao redor, na região, foi desenvolvido pelo corpo docente e alunos da instituição. Com a mudança de localização, o nome também mudaria: Instituto de Design Bauhaus, agora com foco na arquitetura. Uma mudança na estrutura de ensino também aconteceu, aproximando a instituição das escolas tradicionais.

Em 1928, Gropious se demite da Bauhaus, com a certeza de que a instituição estava estabelecida. Hannes Meyer assume sua cadeira, mas logo renuncia após conflitos políticos motivados por suas mudanças. Quem assume o posto é Ludwig Van Der Rohe. A partir daí, mais problemas surgem. A escola é fechada e novamente reaberta, com a exigência do seguimento das novas regras impostas pela política. Os conselhos e atividades políticas foram abolidas. Alunos que se opuseram foram expulsos ou presos - até que o instituto fosse novamente fechado pelos nazistas. Van Der Rohe tentaria manter a Bauhaus aberta na cidade de Berlim, mas foi impedido pelo Governo Nazista. Em 1933, a Bauhaus é definitivamente dissolvida.

Seu quadro de professores era formado por alguns dos artistas mais originais da época. Entre eles, o suíço Paul Klee, tido como um artista místico, cuja grande habilidade para pintura era a mesma que tinha, também, para tocar violino.

Kandisnky, mais influente nome das artes abstratas antes da Primeira Grande Guerra, também fez parte do time. Em sua linguagem visual, os desenhos abstratos comunicavam através de triângulos, círculos, quadrados, texturas expressivas e linhas com movimentos dinâmicos. Para Kandinsky, a criação tinha uma vida paralela, o desenho ditava seu comportamento. Johannes Itten, sonhador metafísico, foi responsável por inúmeras inovações na Bauhaus. Com contribuições de Klee e Kandisnky, foi ele quem implementou o curso básico obrigatório, colaborando com a expressão dos aprendizes em todos os processos do curso. Suas aulas se iniciavam com exercícios respiratórios, incluindo meditação e técnicas de relaxamento budistas. Itten foi discípulo de Mazdaznan (religião neo-zoroastriana que sustentava a teoria de que a Terra deveria ser restaurada em um jardim, onde a humanidade pudesse cooperar e conversar com Deus). A personalidade e o pensamento construtivista dos professores eram os principais critérios de escolha da Bauhaus.

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Algumas das oficinas realizadas pela Bauhaus:

- Tecelagem: com o maior número de mulheres na produção, foi criado um inventário de patterns expressivos, com mais de 183 itens de variações especiais. A Bauhaus comprou todas elas.

- Cerâmica: eram produzidos recipientes utilitários e armazenamentos de diversos formatos, projetados para a cozinha experimental Bauhaus. Eles se tornaram os primeiros produtos de barro manufaturados industrialmente.

- Teatro: eram feitos exercícios e apresentações de ballet triádico, onde o figurino é a linguagem da obra. Esse teatro deu espaço para o desenvolvimento de uma série de danças figurativas que incluíam em seu aprendizado o entendimento da forma, espaço, gesto, haste, aro, a sociedade e as mulheres. Na época, Bauhaus era tido como o lugar onde viviam os “loucos”, os que circulavam pela cidade usando esses trajes coloridos e teatrais. Alguns pais intimidavam seus filhos e filhas que se comportavam mal, dizendo: “Se você não se comportar, vai para a Bauhaus”.

Além destas, haviam oficinas de mobiliários (onde se produzia aço tubulares, cadeiras Wasilly), de metal (onde se produzia porta-copos, jogos de chá, talheres, potes) e outras.

Os produtos:

"B35" Armchair

Utensílios de cozinha, luminárias, relógios, mesas, poltronas, cadeiras, cabeceiras, rádios e muitos outros. Entre eles: DSW Chair, poltrona Egg Jacob, Phanton Chair.

A Bauhaus também publicou um jornal tão minimalista que nele não haviam letras maiúsculas. A razão era explicada: “nós usamos apenas letras minúsculas para economizar tempo. Além disso, por que ter dois alfabetos quando um é suficiente? Por que escrever em letras maiúsculas se não podemos pronunciá-las?”

A Universidade Bauhaus, sua sucessora, é considerada uma das melhores da Alemanha e conta com mais de 4 mil estudantes de 70 países do mundo. Desde 1996, os prédios da Escola de Design Bauhaus em Weimar e Dessau são considerados Patrimônios da Humanidade, pela enorme contribuição cultural ali criada.

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Texto por Vinícius Tex.

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