Apreensões "artísticas": uma curadoria dedicada aos recebidinhos das delegacias

Conceito, coesão, aclamação e uma infinidade de cacarecos que policiais civis e militares orgulhosamente organizam numa estética só deles.

Seja lá qual for o objetivo das forças de segurança ao fazerem composições elaboradas na hora de expôr as drogas, objetos roubados, armas e munição apreendidas, uma coisa não pode ser ignorada: existe toda uma proposta conceitual - e nós tentamos desvendar aqui:

La Fiesta - Ecstasy sobre tela (Artista: Polícia Civil do Rio Grande do Sul)

Créditos: estado.rs.gov.br

Uma explosão de cores em tons sóbrios. Esta foi a aposta de composição da Polícia Civil do Rio Grande do Sul para a vernissage de seus achados que, tal qual os usuários da droga, transcendem ao nível de maior apreensão de ecstasy da história da Instituição.


Os mais de 17 mil comprimidos não deixam dúvidas de que os responsáveis pela obra beberam do trabalho do artista Vick Muniz, bem como das pinceladas firmes e curtas do Impressionismo. Há ainda a religiosidade das estradas de serragem coloridas, ativo importante da cultura popular brasileira no feriado de Corpus Christi. E para arrematar, a sobriedade dos tons passam o propósito de que o efeito da droga dá a saturação de nuances da experiência de cada usuário. Sublime.

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A Muralha - (Artista: Polícia Civil do Rio Grande do Sul)

Créditos: pc.rs.gov.br

Como toda corrente artística vem a partir do incômodo e da vontade de eternizar uma época, a Polícia Civil do Rio Grande do Sul montou esta instalação feita com os materiais maconha, cocaína, crack e skank a partir da Operação Pulso Forte, deflagrada nos dias 30 e 31 de janeiro deste ano. O objetivo era coibir os conflitos entre organizações criminosas, atuando nas áreas marcadas pelo tráfico - que sabemos ser a mais organizada de todas as instituições, devido a alta influência no poder público e privado. Por esta razão, notamos a mensagem de que a muralha pode ser alta e robusta, mas sempre permitirá vazamentos e penetração de interesses que não somente dos usuários. Crítica social foda em um roxo vivo e inédito no segmento de delegacias.

Presépio Desconstruído - chumbo, cobre e aço sobre tela (Artista: Polícia Civil de Santana)

Créditos: A Gazeta do Mapa

Aqui, o artista faz uma composição a partir de uma pistola, três revólveres e 54 munições apreendidas pela Polícia Civil do Amapá, em Santana, município a 17 quilômetros da capital, Macapá. Percebemos os canos apontando para um pequeno exército de balas que ora formam um coração, ora um retângulo irregular. A crítica compreende-se no contraponto entre objetos utilizados para eliminação imediata de vidas com a proposta de natividade que vem sendo representada por presépios desde suas primeiras aparições em Roma, no século III.

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Releitura das 3 Três Pirâmides do Egito (Artista: Polícia Civil de São Paulo)

Créditos: WA Midia

374 kg de cocaína foram necessários para a reprodução das três pirâmides de Gizé, no Egito, conhecidas como Pirâmide de Queóps (a maior e mais antiga, como vemos na imagem), Pirâmide de Quéfren (a do meio, foi erguida pelo faraó homônimo) e Pirâmide de Miquerinos (a menor e mais recente). Nesta obra, chama a atenção a metalinguagem que se traz de uma região desértica onde a base das grandes construções eram estruturas que vinham do pó. Outra menção iconográfica é certamente a Águia de Saladino, um importante elemento egípcio usado para representar ideais republicanos e forças de segurança do Egito - o que vai de encontro ao brasão da polícia civil de SP. Um choque de referências que só a História da Arte proporciona.

Noiva deitada no muro (Artistas: Polícia Rodoviária Federal e Polícia Civil de Juiz de Fora)

Créditos: diarioregionaldigital.com.br

Aqui vemos a subjetividade de cores que à luz do dia produzem registros do cotidiano. Nesta instalação feita com 3,5 toneladas de maconha, 140 quilos de cocaína, 100 quilos de Skunk, aproximadamente 10 quilos de pasta base de cocaína, 10mil comprimidos de ecstasy, e duas armas calibre 12, pode-se visualizar uma noiva desfalecida aos pés de um muro. Tudo, mais uma vez, sob a ótica do impressionismo, em que as figuras do cenário não têm contorno nítido e há a mistura das colorações diretamente na tela, como se feitas com pequenas pinceladas.

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Linha da vida (Artista: Polícia Militar da Paraíba)

Créditos: Diário do Sertão

Quando encontrou e reteve 11 espingardas na zona rural de Água Branca, no Sertão da Paraíba, a Polícia Militar suspeitava que as armas fossem para uso de crimes ambientais. Não pensou duas vezes em devolver violência com arte, nesta instalação que mostra que a vida começa encorpada, densa de planos e sonhos, pronta para ser empunhada e apontada a diversos rumos. E que segue afinando, até que encontre no bocal da morte o completo fim. Poesia pura e totalmente intencional.

Matrioska (Artista: Polícia Militar do Tocantins)

Créditos: Folha Capital

Nesta apreensão da Polícia Militar de Palmas, o 1º Batalhão ressignificou 100g de uma substância análoga à maconha em uma Matrioska, um brinquedo artesanal e tradicional da Rússia, conhecido também como Boneca Russa. A dinâmica de apresentação dos policiais reproduz a mesma do artesanato famoso, em que uma porção cabe dentro de outra, gerando uma configuração maternal de acoplagem de entorpecentes. Sabe-se que o intuito é simbolizar ideias de maternidade, fertilidade, amor e amizade. O que é também comum entre maconheiros.

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