"A revolução será travesti", celebra jovem aprovada em Federal de Pernambuco

Maria Clara foi aprovada e seu manifesto pela igualdade emocionou no Facebook.

Essa é a Maria Clara Araújo, uma jovem travesti de 18 anos que acabou de ser aprovada em pedagogia na Universidade Federal de Pernambuco.

Chico Ludermir / facebook.com

Na imagem que já conta com mais de 15 mil curtidas e três mil compartilhamentos (até o fechamento deste post), ela realiza um manifesto pela igualdade. "Sobre ser travesti e ter sido aprovada em uma universidade federal", explica ela em entrevista ao BuzzFeed Brasil.

O texto tocante que pode ser lido no fim do post explica como foi passar a vida enfrentando o preconceito direcionado à travestis e transexuais, chamado de transfobia, e a decisão de cursar Pedagogia.

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Maria Clara conta que ficou entre Serviço Sociais e Pedagogia. "Pensei se queria tentar ser assistente social para tentar mudar o que o Estado não faz ou cultivar um respeito na base [educacional] sendo professora. Acabei escolhendo o segundo".

Alile Dara Onawale / facebook.com

A jovem transexual fez questão de se colocar no texto como travesti para romper paradigmas.

"Como uma mulher negra e pobre, é importante eu me colocar como travesti em um manifesto pela igualidade, porque dentro de minha vivência tenho consciência que o termo 'travesti' carrega ainda um peso negativo muito grande''

Maria Clara explica que para ela a diferença entre travesti e transexual se dá a partir do olhar de terceiros, "que insistem em criar castas dentro de uma minoria, onde a travesti é a mais estigmatizada, sempre envolvida em prostituição".

Encerrando o manifesto afirma: "A revolução será travesti", como uma mensagem para outras mulheres com história de vida semelhante.

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"Espero cada vez mais ver as meninas saindo da marginalidade, indo atrás dos seus direitos. Já passou da hora de nós enquanto grupo marginalizado parar de abaixar a cabeça e aceitar o que o que a sociedade nos impõe", afirma Maria Clara.

Maria Clara e a mãe após raspar um pedaço da sobrancelha, um rito das mulheres ao serem aprovadas no vestibular.

Confira na íntegra o texto que Maria Clara publicou no seu Facebook:

Hoje, eu tive minha sobrancelha raspada por minha mãe, emocionada por eu ter sido a primeira pessoa de minha família a ser aprovada na Universidade Federal de Pernambuco. O que pra ela é uma realização pessoal de mãe que, diga-se de passagem, sempre me incentivou a estudar, para mim, uma travesti negra, é uma conquista com imenso valor simbólico.

Desde muito cedo, o âmbito educacional deixou o mais explicito possível suas dificuldades em compreender as particularidades de minha vida: aos 6 anos, desejando ser a Power Range Rosa , aos 13 usando lenços na cabeça, aos 18 implorando pelo meu nome social e, logo, o reconhecimento de minha identidade de gênero. Nenhuma foi atendida. Nenhuma foi levado a sério como algo que eu, enquanto um ser humano, preciso daquilo para me construir e ter minha subjetividade.

Se ontem a professora tirou a boneca de minha mão, hoje o Reitor diz não ter demanda para meu nome social.

Eu existo! Nós existimos!

As violências por conta de minha identidade sempre trouxeram retaliações em salas, corredores e banheiros durante toda minha permanência na escola. Lembro-me de, inúmeras vezes, minhas amigas entrando em rodas feitas por rapazes para me bater e tentarem me salvar. ''Para com isso! Deixa ela!''

Não era só comigo, mas fui a única que aguentei. Vi, de pouco em pouco, outras possíveis travestis e transexuais desaparecendo daquele ambiente, porque ele nunca simbolizou um espaço de acolhimento, educação e aprendizagem. Mas sim de opressão, dor e rejeição.

Uma vez encontrei na rua com uma das que estudou comigo. Eu voltava do curso, ela ia se prostituir. ''Mulher, o que tu ainda faz em lugares desse?'', ela me perguntou. Indignada, aliás. Ela me questionava com a testa franzida porque eu insistia em permanecer em um lugar que, cada vez mais, desmarcava que eu não era bem-vinda. Quando fui?

Os banheiros femininos estão com as portas fechadas, o nome nas cadernetas não pode ser alterado e os olhares de escárnio estão por todas as partes. De corredor à sala, de banheiro à secretaria.

''O que ela faz aqui?'', se perguntam diariamente ao me ver andando na luz do dia. Afinal, eu, enquanto travesti, devo ser uma figura noturna. Assim, sedimentando a posição que a sociedade me atribuiu: de sub-humana. E quando falo isso, meus queridos, estou sendo o mais honesta que posso.

Olhe ao seu redor! Quantas travestis e mulheres trans você se depara no seu dia a dia? Quantas estão na sua sala de aula? Quantas te atendem no supermercado? Quantas são suas médicas?

Espere até as 23hrs. Procure a avenida mais próxima. As encontrará. Porque lá, embaixo do poste clareando a rua escura, é onde nós fomos condicionadas a estar por uma sociedade internalizadamente transfóbica.

Quando vi minha aprovação, foi uma alegria por eu ter tido uma conquista, mas para além disso, eu tive a consciência de forma imediata, que dentro de minhas perspectivas de vida, ver uma pessoa como eu em um espaço acadêmico é algo utópico. Até quando será? Até quando minhas irmãs irão ter que ser submetidas a essas condições de vida?

Sem moradia, sem estudo, sem trabalho. Se prostituindo por 20 reais.

Onde está a dignidade?

Não somos iguais. Eu, travesti, não sou igual a você. Eu, travesti, além de ter batalhado por minha entrada, a partir de agora irei batalhar por minha permanência.

Optei por Pedagogia com a esperança de poder ser um diferencial. De finalmente pautar a busca por uma educação que nos liberta e não mais nos acorrente.

A escolha é apenas uma: lutar ou lutar. E eu, Maria Clara Araújo, escolhi ser um símbolo de força.

A revolução será travesti!

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