"A Fazenda 15": Se uma ofensa homofóbica é contra uma pessoa heterossexual, ainda é homofobia?

Nossa cabeça está cheia de expressões que consideramos ofensivas prontinhas para serem usadas na hora de uma briga.

Nesta última semana, uma série de tretas em “A Fazenda 15” trouxe para as redes uma discussão sobre homofobia. Um conflito entre os participantes Darlan, Yuri, Cariúcha, Simioni e Lucas fez com que alguns deles disparassem ofensas consideradas homofóbicas ao participante Lucas. 

Reprodução/Record

A repercussão foi tanta que, na última quarta-feira (4), a apresentadora Adriane Galisteu fez um discurso alertando a galera do reality para o teor homofóbico das discussões.

Para entender melhor o que aconteceu, explicamos tudo aqui

Entre quem ficou indignado pela emissora não expulsar os participantes, e quem não gostou do que considerou “intromissão no jogo”, surgiu uma dúvida: o Lucas, que foi alvo das expressões homofóbicas, publicamente se declara um homem heterossexual. Então, tem como cometer homofobia contra uma pessoa hétero?

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A minha resposta é: sim. 

A gente entende como homofobia a aversão, a rejeição e o ódio contra pessoas homossexuais (ou, de uma forma geral, contra todas as pessoas que não são heterossexuais). Para praticar uma discriminação, a pessoa homofóbica o faz com base em: 1) SABER que o seu alvo é uma pessoa não heterossexual ou 2) SUPOR que essa pessoa não seja hétero.

Eu não quero e nem vou entrar na questão da orientação sexual do Lucas. Tudo que eu sei sobre ele é que foi casado com a Jojo Todynho, e só cabe a ele falar (quando e se quiser) sobre o tema. Mas, ainda que o Lucas seja um homem heterossexual, o teor do que foi dito pelos participantes não deixa de ser homofobia, porque tudo é baseado no que as pessoas supõem sobre a sexualidade dele. E, neste caso, o que ficou claro para gente é que elas supõem que ele não seja uma pessoa heterossexual. E é daí que surge a homofobia.

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Toda a nossa cultura e mentalidade é formada com base em estereótipos. Consciente ou inconscientemente, nós alimentamos o nosso cérebro com conceitos baseados nas crenças que temos.

Tenor

Um exemplo muito fácil de perceber são os estereótipos de gênero. Ainda que estejamos em 2023 e muita coisa tenha mudado desde o tempo das nossas avós, a gente sabe que a nossa sociedade possui papéis de gênero muito definidos. Dos homens são esperados alguns comportamentos, e das mulheres outros (para essa leitura de sociedade, pessoas que não estão no binarismo de gênero nem existem). 

E, quando a pessoa desvia do papel que é esperado, a gente a joga em outra caixinha. Por isso, com muita facilidade, a gente supõe, por exemplo, que um homem é gay porque ele é mais delicado, gentil e cuidadoso. Afinal de contas, isso são comportamentos esperados de uma mulher. Para quem faz uma leitura estereotipada (e equivocada) dos outros, se um homem tem ações consideradas como próprias de mulheres, pronto, ele é gay!

Não bastasse tudo isso, ainda há uma confusão entre orientação sexual (ou seja, por quem a gente sente atração) e identidade de gênero (ou seja, como a gente se identifica no mundo).

Como acontece muitas vezes no nosso dia a dia, as discussões em “A Fazenda 15” foram por qualquer outro motivo que não a orientação sexual. Mas, no auge da briga, com os nervos à flor da pele, as ofensas homofóbicas saem fácil da boca das pessoas. Assim como, em muitos casos de realities e da vida real, ofensas racistas, machistas, capacitistas, etaristas, entre outras, saem fácil da boca de quem, naquele momento, só quer ofender alguém.

Tenor

Depois é um tal de “ah, eu tava com a cabeça quente”, “ah, eu falei no calor do momento” e suas variações. Tudo porque, com a cabeça quente ou não, já está em algum lugar da nossa mente toda a série de ofensas que a gente tem guardada para diminuir alguém. 

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Nessas horas, claro, as pessoas de grupos minorizados (ou seja, pessoas negras, mulheres, pessoas LGBTI+, pessoas com deficiência, entre outras) são os alvos principais. Mas, ainda que a vítima naquele momento tenha sido um homem heterossexual, as pessoas LGBTI+ foram ofendidas junto com ele. Afinal de contas, as palavras que foram usadas (e que o associam à comunidade LGBTI+) saíram de uma cabeça quente que tinha a intenção de diminuí-lo e que considera pessoas desse grupo inferiores.

E quer rebaixamento melhor do que falar da orientação sexual e do gênero de alguém? De supor que alguém não é tão másculo assim? De dizer para pessoa "virar homem"? De usar palavras no feminino para se referir a ela? É o jeitinho homofóbico e machista brasileiro em seu estado mais comum. 

Ah, é sempre bom lembrar: homofobia e transfobia são crimes no Brasil. 

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