A calcinha quase andando sozinha (quarto fragmento inédito da série BDSM)

Dia da travesti contar como é que ela foi parar nesse mundo dos fetiches mais doidos.

Daí você me pergunta: levando jeito como só euzinha aqui, por que é que demorei tanto pra me jogar nesse ramo? Preconceito, talvez?

Pensava as piores coisas desse povo, doido tudo, nem conversar eu queria. Contato físico, então, imagina! Até que eu fui conhecer quem, né, meu bem? Pois foi. Lá atrasão, você e suas ideias malucas. Amor faz a gente considerar cada coisa. Aí a relação tensa que, hoje em dia, eu e o amor temos, olha aonde é que nasceu. Tensa porque sofri como um cão, pensa eu, em pânico, tendo que ouvir aqueles seus desejos cabulosos.

Eu não era ainda a gostosona que viria a ser, peitão, cabelão, curvas, mas neca didê e edi não te faltava nunca, isso cê não pode negar. Mas o bonito, era o que ele queria? Ah, sei, "a bonita", mas era "o bonito" na época, eu tou falando é da época. Pensa como se fosse outra pessoa, mulher. Deixa eu continuar. Bom, era o que ele queria nada, isso que eu não entendia, não entrava na minha mente. Comer, ele até me comia, ainda que preferisse dar, só que o que mexia pra valer com a cabecinha dele era nada de dar ou comer não, vê lá, era pé com chulé, era sentir o aroma, o sabor da minha neca aqueles dias com a calcinha quase andando sozinha, fora a vez que cê veio lamber, cheirar meu subaco também, não foi? Tá, você não, ele. Eu desacreditei. Senhor, como era possível!

E sabe o que até hoje eu não superei? Esse traste ter terminado comigo por eu ser limpa demais. Limpa — "sua pele tem cheiro de sabonete", ele dizia, olha o absurdo. Eu mó preocupada em sair do pegê e ficar limpinha pro meu bem, cheirosa, perfumada, e ele queria, em mim, era o cheiro da camisinha pra se imaginar corno, queria era o suor, cecê, futum do sexo recém-rolado. E eu, aí, como? Nããããão! Desespero bateu foi forte, porque eu gostava do bofe, amava, mas ele queria era namorar a puta bandida, inescrupulosa, vulgar, não a princesinha que eu imaginava que eu era.

Os sonhos de monogamia que eu tinha, batendo o pé que uma coisa é a prostituição, tudo trabalho, cliente, e outra bem diferente é o meu marido, amor, ele só meu, eu só dele. Nada disso deu certo, vê-se, e eu peguei foi trauma do amor, e ranço desses que já chegavam perguntando as coisas mais absurdas. Até que um bom tempo depois, eu toda dimenticata daquele traste, fui me permitindo experimentar uma chinelada aqui, um pezinho na cara ali, um xixi, umas cordas, vish!, caminho sem volta. Daí, olha o que eu me tornei? A dominatrix mais babadeira.

E quem perdeu foi, ó, quem? Eu que não fui. Ai se você tivesse sido um tiquito mais paciente.

Para quem perdeu os episódios anteriores:

Primeiro fragmento: "A diferença entre Dominatrix e dominatruque"

Segundo fragmento: "Eunuco tá voltando a ser moda"

Terceiro fragmento: "Tesão em se imaginar corno"

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