15 exemplos históricos que talvez você não conheça sobre a cultura LGBTQIA+ ao redor do mundo

Prova de que a identidade LGBTQIA+ não é algo novo.

Ao contrário do que alguns políticos de direita gostam de afirmar por aí, a cultura LGBTQIA+ não é um fenômeno nada recente ou ocidental. A "homossexualidade" de hoje em dia está conectada de maneira intrínseca à história euro-americana de ideias e tradições culturais, mas a fluidez de gêneros, a sexualidade e a performance destes papéis é evidente em muitas culturas ao redor do mundo — sobretudo, antes da disseminação do cristianismo e de influências ocidentais.

1. Vikings não-binários

A viking helmet with a wreath of flowers draped across the horns
A viking helmet with a wreath of flowers draped across the horns

Olivia Ott / BuzzFeed

O imaginário em torno dos vikings na cultura contemporânea é bastante associado a estereótipos que envolvem a masculinidade. Guerreiros musculosos e com cabelos longos estão acostumados a vender tudo, de cerveja a esportes. Apesar das fronteiras de gênero serem policiadas de maneira rígida, como em qualquer sociedade de saqueadores, esses limites eram mais permeáveis do que muitas pessoas podem imaginar. "Os vikings eram familiarizados com o que chamamos hoje de identidade queer", afirma Neil Price, historiador especializado na era viking, em um artigo para a Time.

Em um túmulo da época na Suécia, foi descoberta uma pessoa num corpo biologicamente masculino em um assentamento Sámi, de acordo com os rituais do povo, trajado com armas e ferramentas tradicionais masculinas e um vestido de linho e joias femininas — o que significa que era aceito um cruzamento de normais culturais e de gênero naquela sociedade.

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2. Nativos americanos "dois espíritos"

Open palms with a rainbow traversing them
Open palms with a rainbow traversing them

Brooke Greenberg / BuzzFeed

Por tradição, os nativos americanos "dois espíritos" referem-se a mulheres, homens ou intersexo que combinam características únicas e exercem atividades que, por convenção, são associadas a papéis de gênero femininos ou masculinos. Em muitas tribos, os "dois espíritos" não eram considerados homens nem mulheres, ocupando um status alternativo de gênero. Em alguns povos, mulheres e homens "dois espíritos" eram considerados um terceiro gênero. Ainda em outras tribos, mulheres "dois espíritos" eram um de um quarto gênero e eram chamadas por outro termo.

Embora houvesse diferenças fundamentais no que se trata da função de "dois espíritos" na cultura indígena norte-americana, alguns traços comuns incluem:

*Sanção espiritual

*Relações entre pessoas do mesmo sexo

*Variação de gênero

*Funções de trabalho especializadas

3. Cinco gêneros nas tribos da Ilha de Java

A bust of a bissu priest in traditional clothing with flowers in their hair
A bust of a bissu priest in traditional clothing with flowers in their hair

Charlotte Gomez / BuzzFeed

A Indonésia moderna é um país muçulmano, mas, na era pré-Islã, muitas tribos de lá eram abertas e flexíveis no que se trata de gênero e sexualidade. Com uma população de 3 milhões, os Bugis são o maior grupo étnico de Celebes do Sul, na Indonésia. Hoje em dia, a maior parte do povo se converteu ao islamismo, mas os rituais pré-islâmicos incluem pontos de vista únicos a respeito de sexualidade e de gênero.

A língua buginesa apresenta cinco termos diferentes para referir-se a combinações de sexo, gênero e sexualidade: "makkunrai" (mulher cis), "oroani" (homem cis), "calalai" (mulher trans), "calabai" (homem trans) e "bissu" ("padres transgênero").

Essas traduções não são exatas, mas definem o sentido geral dos gêneros na sociedade. Se gênero é um espectro, como Kinsey define a sexualidade, isso ilustra como o gênero muitas vezes é uma performance de como nós caminhamos, nos vestimos e falamos.

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4. Homossexualidade na literatura clássica chinesa

Two queer Chinese men in historic clothing embracing, surrounded by flowers
Two queer Chinese men in historic clothing embracing, surrounded by flowers

Kevin Valente / BuzzFeed

"O Sonho da Câmara Vermelha", livro escrito pelo aristocrata Cao Xueqin, é uma das quatro obras primas da literatura clássica chinesa. As crônicas épicas contam sobre a ascensão e queda de duas famílias nobres e reflete as verdades e mentiras implícitas na vida dos clãs de classe alta. Um dos personagens principais, nobre príncipe herdeiro da família Jia, ficou famoso por ter um caso homossexual, que aparece na obra como um comportamento socialmente aceito. Ninguém teve problema algum com isso. O livro é um grande exemplo de que a criminalização da homossexualidade ocorreu depois da China se tornar comunista, já que até pouco tempo atrás, a homossexualidade era bastante aceita e presente nas classes altas (desde que, apesar disso, as pessoas não abandonassem suas responsabilidades familiares como, por exemplo, ter um herdeiro).

5. Teatro Kabuki

Kathy Hoang / BuzzFeed

O teatro Kabuki é uma arte japonesa antiga cuja origem foi no período de Edo, em torno de 1603, performado por mulheres artistas que interpretavam jovens homens em peças e danças, e muitas vezes eram profissionais do sexo. Em 1629, essas performances eram consideradas muito selvagens e desordeiras, e as mulheres foram banidas da arte — o que fez meninos adolescentes, que também muitas vezes eram profissionais do sexo e gays, começarem a se apresentar. Os atores aprendizes, em sua maioria, eram bissexuais e tinham relacionamentos com samurais de alto escalão para se tentarem se tornar estrelas. Nos espetáculos, eles se vestiam de mulher dos pés a cabeça, maquiagem e figurino, e afinavam a voz.

Depois de um período de regulamentação, o governo Meiji reestabeleceu o kabuki como uma arte de espetáculo. A tradição de homens interpretarem papéis femininos permanece até hoje.

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6. Hijras na Índia

Queer Indian Hijras standing in a group and smiling
Queer Indian Hijras standing in a group and smiling

Lyla Ribot / BuzzFeed

Na sociedade hindu, a expressão de gênero não-binária tem um papel importante há mais de 2.000 anos. O "terceiro gênero" é encontrado em textos sagrados, como "Mahabharata" e "Ramayana", em que o herói hindu Arjuna se transforma no terceiro gênero. Há diversos grupos desse gênero no sul da Ásia, mas o mais comum são as hijras. Em geral, hijras nascem biologicamente com o sexo masculino, mas se vestem e agem de maneira considerada feminina. A maioria, mas não todas, decide fazer uma cerimônia de castração para remover a genitália e oferecer à deusa hindu Bahuchara Mata. Algumas hijras são intersexo. Elas são um sinal de boa sorte e são convidadas para abençoar nascimentos e casamentos para trazer fortuna e fertilidade.

Hijras, em geral, são consideradas um "terceiro gênero" — entre o masculino e o feminino, e não transgênero. No entanto, a identidade hijras é complexa, e algumas delas se identificam como transgênero. 

7. Muxes na cultura zapoteca do sul do México

A coloful bust of a Muxe, smiling and fanning themself
A coloful bust of a Muxe, smiling and fanning themself

Olivia Ott / BuzzFeed

Na cultura zapoteca de Oaxaca, as Muxes são um terceiro gênero consagrado, que mantém a língua zapoteca, vestimentas e outras tradições culturais prevalentes na comunidade. A pequena cidade oaxaquenha de Juchitán de Zaragoza conta com uma grande população de Muxes, celebradas desde a época pré-colonial. Elas são prestigiadas como uma parte da cultura zapoteca e de suas tradições, em vez de um grupo marginal, o que faz com que haja maior aceitação do terceiro gênero na comunidade.

Em novembro, a cidade ainda comemora uma festa chamada "Vigília dos Autênticos Intrépidos Buscadores do Perigo", que foi descrita pela Vice como "uma das melhores festas que nós já fomos".

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8. Tradicional pluralidade de gênero na Tailândia

Thai person in a traditional headdress gesturing with their hands
Thai person in a traditional headdress gesturing with their hands

Brooke Greenberg / BuzzFeed

O Sudeste Asiático tem uma história repleta no que se trata de pluralidade sexual e de gênero que se mantém até hoje. Na verdade, a Tailândia alterou a constituição do país para reconhecer um terceiro gênero em 2015 (embora seja uma junta militar...). Reis e rainhas tailandeses, tanto em tempos antigos quanto modernos, se envolviam em casos homossexuais notáveis dos quais todos ficavam sabendo. Infelizmente, hoje em dia, indivíduos transgênero não têm os mesmos privilégios: apesar do país ainda ter uma cultura bastante aberta para pessoas e cultura trans, não há muitas oportunidades econômicas para elas ou para pessoas do terceiro gênero, e acabam sendo discriminadas no mercado de trabalho.

9. Os gregos adoravam dar... "beijo grego"

Two statues of nude Greek men embracing one another
Two statues of nude Greek men embracing one another

Charlotte Gomez / BuzzFeed

Desde Hércules e Aquiles até Apolo e Dionísio, a maioria dos heróis gregos musculosos e dos deuses da mitologia antiga tinham amantes gays. A pederastia, em outras palavras, um relacionamento em que um homem mais velho é tipo o "daddy" de um homem mais jovem, era uma prática comum e, de certa forma, aceita. A homossexualidade não era tão estigmatizada, nem era vista como um desvio da masculinidade.

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10. Amor queer no Egito Antigo

Stylized illustration of Ancient Egyptian men touching noses
Stylized illustration of Ancient Egyptian men touching noses

Kevin Valente / BuzzFeed

Em 1964, arqueólogos descobriram o túmulo de Niankhkhnum e Khnumhotep, uma das mais antigas evidências de vida queer até hoje. Os dois amantes viveram e morreram em torno do ano de 2380 a.C. e foram pintados no túmulo como muitos casais heterossexuais eram ilustrados na arte funerária egípcia: de mãos dadas, se beijando e próximos um do outro num quase-abraço. Embora tivessem esposas e filhos ilustrados também, não há outros homens com elas.

Ou os manicures do faraó (sim, é sério) eram irmãos muito, muito, muito íntimos... Ou eram um casal determinado a ficar junto na vida após a morte, assim como na vida.

11. Eunucos na China e no Oriente Médio

Emperor figure in the center with eunuchs draped over them
Emperor figure in the center with eunuchs draped over them

Kathy Hoang / BuzzFeed

Os eunucos eram uma "classe" de empregados nas cortes do Oriente Médio e do Extremo Oriente. Em geral, os eunucos eram homens ou meninos emasculados ou castrados que tinham importante função social no palácio real como servos, conselheiros, consultores e organizadores que podiam interagir com as mulheres de maneira bem próxima nos haréns sem arriscar a linhagem real (já que não podiam engravidá-las).

Existiam muitos tipos diferentes de eunucos nas cortes chinesas, e há registros da prática há 2.000 anos: muitos deles eram entregues ainda criança pelas próprias famílias na tentativa de atingir maior mobilidade social ou em troca de dinheiro. Alguns "eunucos fortes" eram castrados quando adultos para preservar a força física, por escolha própria para garantir um emprego estável e uma mobilidade social ou por castigo.

Os eunucos também eram muito comuns nas cortes persa e norte-africana servindo funções similares.

Eles eram considerados mais "sem gênero" do que queer, mas não era incomum que tivessem relacionamentos com pessoas mais jovens. A bissexualidade era bastante comum e aceita na China imperial e, desde que o imperador tivesse herdeiros, ninguém falava nada sobre os seus amantes.

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12. Relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo na África antiga

Cave painting of two silhouetted hands holding one another
Cave painting of two silhouetted hands holding one another

Lyla Ribot / BuzzFeed

Antes da colonização ocidental, diversas culturas africanas tinham maior aceitação de identidades sexuais e de gênero diferentes. Há muitos exemplos de relacionamentos eróticos e não-eróticos entre pessoas do mesmo sexo na história da África. Por exemplo, os "mudoko dako", do povo Langi, da Uganda, eram homens afeminados cujas funções sociais eram femininas e podiam se casar com outros homens. Pinturas rupestres do povo San, do Zimbabué, ilustram claramente dois homens num ritual sexual. A África é um continente gigante com muitas culturas diferentes das quais muitas incluem relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo (antes da invasão da cultura ocidental).

13. "Irmã mais velha" no Reino Proibido

Outstretched palms filled with candy and tokens of affection
Outstretched palms filled with candy and tokens of affection

Olivia Ott / BuzzFeed

A maior parte das histórias de relacionamentos sexuais na China giram em torno de homens, mas, hoje em dia, especialistas discutem se as mulheres tinham a mesma liberdade de exercer suas sexualidades. O movimento "Golden Orchid Associations" funcionava fazendo arranjos de casamento em Guangdong (antiga Cantão) do final da dinastia Qing até o início dos anos 1900. Essas associações providenciavam uma alternativa de "irmandade" para mulheres que escolhiam não se casar.

A mulher anunciava suas intenções através de presentes, doces ou outras bugigangas. Se a destinatária aceitasse o presente, significava que concordava com a proposta. Elas faziam um juramento uma para a outra e, por vezes, designavam papéis conjugais. Esses casais lésbicos podiam adotar meninas para que herdassem as propriedades da família por lei.

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14. Casamento entre pessoas do mesmo sexo na Mesopotâmia

Two male figures in ancient clothing, touching hands against a colorful backdrop
Two male figures in ancient clothing, touching hands against a colorful backdrop

Brooke Greenberg / BuzzFeed

Situada na crescente fértil, a antiga Mesopotâmia é conhecida como o berço da civilização. Ao que parece, a diversidade na sexualidade humana está presente desde então (embora o atual Iraque diga o contrário). O "Almanac of Incantations" ("Almanaque de Encantamentos") é um texto religioso fundamental da antiga Assíria que contém diversos "feitiços", códigos sociais e orações pelo amor entre homens e mulheres, assim como entre homens. Na antiga cultura mesopotâmica, o sexo era considerado apenas mais uma parte da vida cotidiana, e não havia vergonha, constrangimento ou tabu na busca do prazer.

Em um artigo para o Lowdown Hub, Bottero afirma que "o amor homossexual poderia ser apreciado" sem medo de estigmas sociais, e os textos mencionam "homens que preferiam assumir um papel feminino durante o sexo". O artigo também declara que "várias posições incomuns poderiam ser adotadas: 'de pé, 'na cadeira', 'virado na cama ou com o parceiro', 'por trás' e até 'sodomia', ou seja, sexo anal, que era uma método contraceptivo muito utilizado".

15. Rainha Queer Nzingha Mbande

Charlotte Gomez / BuzzFeed

A rainha Nzingha Mbande (1583–1663) governou durante os reinos de Matamba e Ndongo ao norte da atual Angola após a morte do seu irmão e de seu pai. Por quatro décadas, Nzingha lutou contra o tráfico de escravos dos portugueses e é muito respeitada por sua genialidade militar, suas táticas de diplomacia e sua inteligência. A identidade sexual da rainha é misteriosa, mas existem diversos relatos que apontam que ela teria tido esposas, um casamento heterossexual e um harem de homens afeminados. Embora sua identidade flexível queer esteja, em parte, relacionada ao seu poder e status, também ilustra a realidade dos relacionamentos entre outras mulheres africanas com base no desejo e no amor durante o seu reinado. O fato da rainha ter tido esposas evidencia como os papéis de gênero na África pré-colonial eram mais fluídos e menos ligados ao sexo biológico.

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16. Poesia persa homoerótica

Two persian men embracing, wearing historic fashion
Two persian men embracing, wearing historic fashion

Kevin Valente / BuzzFeed

As inclinações homoeróticas na Idade Média islâmica eram mais aceitas do que muitas pessoas podem imaginar. A acadêmica Melanie Christina Mohr afirma que "a divisão entre hétero e homo é algo que Franz X. Eder descreve como 'um fenômeno específico das culturas modernas ocidentais... Implicitamente, isso significa que o amor individual não era sujeito ao mesmo discurso social do que na Idade Média islâmica, porque não precisava ser. Foi somente depois da influência colonial que a poesia homoerótica composta no mundo islâmico passou a ser tratada como algo indecente e categorizado de maneira negativa".

Com a convicção disseminada na época de que a forma masculina fazia parte da perfeição divina, as metáforas do homoerotismo eram preferidas em relação às heterossexuais em consequência da separação social entre os sexos.

Mohr escreve: "Babur, aos 17 anos, descreve pela primeira vez seus sentimentos amorosos logo após seu casamento, por cerca do ano 1500, quando ele vê um lindo rapaz chamado Baburi num bazar em Andijan.

Algumas linhas antes, ele fala com detalhes sobre sua aversão ao contato íntimo com sua esposa, o que o consome: '[...] por pudor e timidez, eu fui a ela uma vez em dez, quinze ou vinte dias. Meu afeto, após, diminuiu [...] minha mãe caía sobre mim e brigava comigo com grande fúria, mandando que eu a visitasse uma vez por mês ou a cada quarenta dias, como um criminoso'.

Em contrapartida, ele ficou perdido de amor pela visão que teve do rapaz Babur: 'Até então, eu não queria ninguém'. Mas quando finalmente fica diante dele, fica sem palavras, paralisado, e afirma: 'O desejo tomou conta de mim, me fez cambalear / O que todo amante de um rosto gracioso sente'."

Este post foi traduzido do inglês.

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