Uma carta aberta ao menino que me salvou da homofobia na escola sem saber

"Eu lembrei do menino no armário, que controlava sua voz e seus trejeitos num esforço diário e insuportável para SER HOMEM."

O ano é 1999. Eu tenho 12 anos recém-completados e estou sentado estrategicamente na terceira carteira da segunda fileira da classe - que é para não parecer nerd DEMAIS. Este é o primeiro dia de aula da 6ª A, que agora volta das férias com a euforia típica dos pré-adolescentes. Estamos no auge da era das boy bands, das coreografias das Spice Girls e dos pôsteres do Leonardo diCaprio. Mas este é também o auge da minha confusão sobre a minha sexualidade.

Nesta manhã, os meninos e meninas da turma reencontram antigos amores, há muita curiosidade a respeito dos novos alunos e quem será o "paquera" de quem. Para todos os efeitos, eu sou apaixonado pela Luana, líder da turma, para quem eu me declarei várias vezes e sobre quem escrevi em todas as enquetes da classe. Mas, no fundo, eu não estou ansioso para revê-la. O motivo da minha suadeira, enquanto eu aguardo o começo do ano letivo naquela terceira cadeira da segunda fileira, é o Antônio.

Homofobia na escola

Não, eu não estava apaixonado pelo Antônio. O meu crush, e de todas as meninas, era um menino loirinho que parecia o Nick Carter dos Backstreet Boys. O Antônio, coitado, era magricela, bastante afeminado e tinha uma voz fina como se a puberdade jamais fosse alcançá-lo. Antônio era a bichinha da turma, aquele que apanhava no intervalo, que era imitado pelos colegas e que, muitas vezes, ia embora da aula de Educação Física chorando. E este era o motivo de ele ser tão importante para mim. Por isso eu estava tão nervoso para vê-lo entrar por aquela porta. Porque, enquanto Antônio estivesse na minha classe, não seria eu a bichinha da turma.

Graças a Deus e a Madonna, a pré-adolescência passou e eu nunca mais pensei nisso. Eu nunca mais pensei no Antônio. Ele ficou perdido na caixinha de histórias dolorosas da minha infância e seu rosto foi ficando embaçado na minha memória, como uma fotografia que ninguém mais quis olhar. Foi assim até que, vinte anos depois, eu assisti ao clipe da música "Indestrutível" da Pabllo Vittar.

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Com imagens em preto e branco, o clipe conta a história de um menino que apanha dos colegas e sofre com a homofobia na escola. De repente, eu não era mais aquele adulto empoderado que se assumiu para a família e que anda de mãos dadas nas ruas de São Paulo pra todo mundo ver. Eu voltei a ser o menino no armário que controlava sua voz e seus trejeitos num esforço diário e insuportável para "ser homem".

Foi aí que eu entendi por que eu me escondi atrás do Antônio por tantos anos. Por que tantas vezes eu me juntei aos meus colegas parar rir dele. Por que eu, um garoto que sabia que era gay, preferi ser homofóbico a defendê-lo. Aquelas imagens de violência do clipe me fizeram entender que eu havia reproduzido um comportamento opressor simplesmente para sobreviver.

Masculinidade tóxica

E uma lágrima escorreu no meu rosto. Finalmente. Mesmo depois de tantos anos e tantos choros, aquela lágrima do "engole esse choro" e do "homem não chora" finalmente caiu, pesada, acumulada. Então eu lembrei que estamos em 2018, que a Pabllo Vittar é um fenômeno pop e que se fala muito mais sobre temas LGBTQs hoje do que quando eu era pré-adolescente. Ufa.

Mas por que a homofobia nas escolas não mudou?

Aí entra a tal da masculinidade tóxica. Não só a nossa sociedade é preconceituosa, mas os padrões que se infiltram no nosso "inconsciente coletivo" desde muito cedo são totalmente machistas. Por isso eu e as meninas da sala só tínhamos olhos pro coleguinha cover do Nick Carter. Por isso os garotos, que nem sabiam o que significava a sigla LGBTQ, eram tão violentos. E talvez por isso o Antônio nunca tenha denunciado o problema para a coordenadoria ou para seus pais. Porque era ele quem estava fora da "norma".

Hoje eu me orgulho de ter mudado e de promover mudança ao meu redor. De entender que há muita coisa escondida por trás daquele perfil "discreto e fora do meio" no Grindr, de falar sem a mínima vergonha que sou gay, sim, e que sou afeminado, sim, sempre que me perguntam.

Mas, principalmente, me orgulho de reconhecer meu erro e de escrever este depoimento pedindo desculpas e AGRADECENDO ao Antônio por tudo o que ele fez por mim. Só me resta torcer para que, onde quer que ele esteja, o Antônio também ouça a música da Pabllo e cante: "eu sei que tudo vai ficar bem".

Veja o vídeo na íntegra:

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