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Esta thread no Twitter fala sobre a importância da Lacraia, travesti que foi ícone do funk nos anos 2000
Artista e ativista, Lacraia chegou a bater recordes de audiência na televisão. Mesmo assim, ainda era vista como uma piada.
Matheus Saad
Há 4 anos
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Pra quem não se lembra ou ainda não era nascido/a na época, a Lacraia foi um dos grandes nomes do funk nos anos 2000. Junto com MC Serginho, ela emplacou hits como "Vai Lacraia" e "Égua Pocotó".
Reprodução
Apesar de tanto sucesso, Lacraia teve a sua história de vida invisibilizada pelo preconceito. Por isso, a ativista travesti Caia Coelho decidiu fazer uma thread para contar um pouco sobre a vida e a carreira da artista.
THREAD. Lacraia era uma travesti e ficou conhecida nacionalmente em 2003 através do funk, eu tinha 11 anos. Em 2016, já com 23, ainda lembrava dela "alegre", mas uma entrevista da sua mãe dizendo que a filha era triste me surpreendeu. Por isso, há quatros anos comecei a pesquisar
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Mesmo sendo conhecida pelo Brasil todo, Caia ressalta que pouco se sabe sobre quem foi a Lacraia de fato.
Mesmo sendo uma figura nacionalmente muito famosa no começo dos anos 00, eu não sabia nada a respeito da Lacraia nem era fácil encontrar. Seria mais uma travesti com sua história apagada? Como ela foi recebida na mídia e pelo público? Compartilho com vocês um pouco da pesquisa...
Ainda no começo da carreira, Lacraia já usava a sua voz para apoiar causas sociais.
Nos anos 90, Lacraia participou do Teatro Expressionista da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS, onde colaborou com políticas de prevenção ao HIV. Na época, ela se apresentava como Margarete Robocop e Volpi Jones, mas ainda não conseguia viver totalmente de sua arte...
Curiosidade: Volpi Jones, um dos nomes que ela usava quando se apresentava como drag queen, era uma homenagem à artista Grace Jones.
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Nascida em Birigui, Lacraia mais tarde se mudou para o Rio de Janeiro. Foi no Jacarezinho que ela conheceu MC Serginho, seu grande parceiro musical.
Trabalhou como camelô, como cabeleireira em um salão de beleza e como camareira em uma sauna. Conheceu MC Serginho (ambos moravam em Jacarézinho) nos bailes funks onde ele era DJ e acabaram formando uma dupla que mais tarde estouraria os sucessos "Vai, Lacraia", "Éguinha Pocotó".
Sucesso absoluto, a dupla logo conquistou o Brasil com o seu funk divertido.
Na época, o funk estava sendo nacionalizado. O DJ Marlboro tocava no programa da Xuxa. As músicas de Lacraia e Serginho foram trilha dos jogos de vôlei de praia nas Olimpíadas de Atenas em 2004, da companhia de dança Debora Colker, da Grande Família, do Programa do Didi. Sucesso!
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O sucesso era tanto que a participação da Lacraia em um programa do SBT chegou a ultrapassar a audiência da Globo no mesmo horário.
Segundo a revista Veja, a participação de Lacraia no Domingo Legal, na SBT, desbancava em pontos de audiência o Domingão do Faustão, da Rede Globo. Éguinha Pocotó foi a 16ª música mais tocada em 2003. Naquele ano, o sucesso de Serginho e Lacraia estava à frente de girl/boybands.
Lacraia ganhou reconhecimento não só do público, mas também de outros grandes artistas.
Nomes consagrados da música brasileira gostavam da Lacraia: Caetano Veloso, Rita Lee, Preta Gil, Emilinha Borba! Nos shows, algumas pessoas podiam a beijar. Ela dizia: "o que não pode na novela, pode no nosso palco: o beijo na boca”. Porém nem tudo eram flores. Lacraia sofreu...
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Porém, como Caia Coelho conta na sua thread, a dançarina precisou encarar situações terríveis que na época eram mostradas como "piadas" na televisão.
O que acontecia nos shows não se repetia na televisão. No Programa da Eliana, Lacraia encenou um casamento fake, mas o noivo se recusou a repetir as palavras do "padre" ("legítima esposa") e não beijou a noiva ao final da cerimônia. Supostamente essa era "a graça" do quadro.
Vítima de racismo e transfobia, Lacraia era constantemente vista como um alívio cômico, um divertimento, e não como uma artista e ser humano.
No livro Funk-se Quem Quiser, Lacraia dizia: “eu sei que ainda tem muita discriminação, mas eu considero Lacraia como um marco na televisão brasileira". O sucesso não intimidou o racismo e a transfobia contra Lacraia. Na foto, Rodrigo Faro faz blackface anunciado como "homenagem"
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O preconceito era tanto que, na época, o nome Lacraia passou a ser usado de forma pejorativa para se referir a homens gays afeminados.
Não se falava em outro assunto. As bichas eram "xingadas" de Lacraia, as carolas e alguns artistas torciam o nariz. Outros cometiam racismos, transfobias explícitos. Por que até hoje muita gente resume Lacraia a uma "pessoa feliz"? Matéria de 2003 no Jornal do Brasil (RJ)
Depois de 10 anos de sucesso, a dupla MC Serginho & Lacraia resolveu se separar em 2009.
Em 2009, depois 10 anos de parceria, Lacraia e Serginho deixaram de ser uma dupla, e seguiram carreiras solo. Em entrevista ao Portal Terra, ela disse que não pretendia ser cantora, agora queria ser DJ de música eletrônica. Lançou "Solta a Maricona", "Estilo Pantera Cor de Rosa".
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Dois anos depois, em 2011, Lacraia faleceu. Na época, alguns veículos nem chegaram a divulgar a causa de sua morte. Alguns dizem que foi pneumonia, outros dizem que foi tuberculose.
Por tuberculose, Lacraia faleceu em 2011, aos 33 anos, mas não podemos esquecer sua história. Ela abriu portas para muitas travestis do funk hoje! Em 2013, Gazela interpretou Lacraia nos shows do Serginho enquanto ele cantava "eu to falando do fantasma da Lacraia", mas não vingou
Nesta entrevista de 2019 para o site Kondzilla, feita por Matias Maxx, MC Serginho contou um pouco sobre como a Lacraia era na sua vida pessoal.
Reprodução
“Ela era fora do palco exatamente como era no palco: brincalhona, nunca se aborrecia com nada, tava sempre de boa com a vida, era uma pessoa diferenciada mesmo. Um ser de muita luz, tava sempre rindo. Depois que ela incorporou a Lacraia, ela passou a ser Lacraia 24 horas por dia".
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Caia finaliza a sua thread dizendo que Lacraia, ao lado de MC Serginho, fizeram história.
Ela sempre afirmava sempre ter desejado ser a "Xuxa preta", e de certa forma conseguiu. Mc Serginho e Lacraia mudaram os rumos do funk no país, segundo o historiador do ritmo Silvio Essinger. Foram acolhidos no meio (eram amigos de Mr. Catra, do DJ Malrboro) e fizeram história...
Em uma conversa com o BuzzFeed Brasil, a autora da thread Caia Coelho nos contou que é parte da diretoria da NATRAPE - Nova Associação de Travestis de Pernambuco.
Nas palavras de Caia: "a NATRAPE é uma organização que busca ser instrumento de luta para expressão da plena cidadania e pelo acesso aos direitos humanos das mulheres transexuais, travestis e homens trans no estado de Pernambuco. Somos afiliadas nacionalmente à Rede Trans e participamos ativamente de espaços de discussão e deliberação de políticas públicas ou assistenciais. Recentemente, por causa do cenário da covid-19, distribuímos mais de 100 cestas básicas para trabalhadoras terem acesso à alimentação."
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Se você quer conhecer ou ajudar a NATRAPE, entre em contato via Instagram!
Junho é o Mês do Orgulho LGBTI+, e pra você ficar por dentro dos posts do BuzzFeed Brasil sobre este tema basta clicar aqui!
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