Estou péssima, obrigada por perguntar

Depois que meu marido e meu pai morreram e eu sofri um aborto — tudo em um intervalo de seis semanas — todos queriam saber como eu estava. E todos ouviram a mesma resposta: "Estou bem".

Charlotte Gomez / BuzzFeed

Tudo bem. Tudo bem. Tudo bem. Tudo bem. Tudo bem.

Em 2015, estava tudo bem. Melhor do que bem. E por que não estaria? Apenas alguns meses antes, eu tinha perdido meu marido para um câncer cerebral, meu pai para um câncer que havia se espalhado por todo seu corpo e minha segunda gravidez. Com "perdido", quero dizer que eles morreram. Eu não os perdi no mar, nem na seção de laticínios do mercado.

Todo mundo, de amigos próximos a estranhos na internet, queria saber como eu estava. E todo mundo ouviu a mesma coisa: "Estou bem". "Estou bem." "Estou bem."

Mas, adivinhe, eu não estava bem de verdade. Assistir ao tumor cerebral do meu marido reduzi-lo a uma réplica magra e fraca de si mesmo? Isso teve um efeito negativo. Ter nosso segundo filho sugado do meu útero? Foi ruim. Meu pai passar de saudável para morto em cinco meses? Isso teve consequências.

No entanto, ninguém quer ouvir sobre como você passou a madrugada debruçada sobre o laptop do seu marido, lendo e-mails que ele enviou para pessoas anos antes de você o conhecer, tentando absorver qualquer parte dele que tenha sido deixada, ainda que seja pequena e digital. Ou era o que eu pensava. Presumi que só podia sentir os sentimentos que eu achava tão desagradáveis e desconfortáveis comigo mesma, achando que eles seriam intragáveis para as pessoas ao meu redor. Então escondi essas emoções, ou as cobri com legendas tristes-mas-espirituosas no Instagram, até que elas fossem o tipo de coisa que alguém poderia curtir.

Antes de Aaron e meu pai morrerem, antes de eu sofrer um aborto, eu tinha pouca experiência com tragédias. Quando eu observava os outros em crise — o pai de um amigo morrendo inesperadamente, o filho de uma colega de trabalho hospitalizado de repente —, ficava incomodada com o desconforto deles, sem conseguir olhar em seus olhos, ansiosa para evitar o assunto e focar em algo mais... agradável. Para o bem deles, claro. Porque quem quer ser lembrado do que perdeu, ou do que pode perder? Quem quer falar sobre a coisa mais difícil pela qual já passou, quando poderia falar sobre o clima, ou sobre como parece ser quinta-feira, mas, na verdade, é terça?

{{Todo mundo que já passou por algo horrível levanta a mão.}}

Presumi que o que as pessoas ao meu redor queriam era que eu fizesse uma limonada e não insistisse muito no fato de que eu não tinha nem pedido limões, pra começar.

Não era negação — não havia como negar o espaço vazio na minha cama, a esmagadora solidão de ser uma mãe sozinha. É que eu não sabia como deveria ser o luto. Quando era criança, raramente via meus pais chorando. O luto deles em relação aos pais mortos parecia terminar no funeral, e presumi que o meu também deveria. Sem nenhum costume social real para me guiar, desenvolvi o meu próprio. Usei um vestido branco no funeral de Aaron. Fiz o discurso fúnebre com batom vermelho brilhante e cabelo cor de lavanda. Na era vitoriana, as viúvas usavam preto. Elas usavam um chapéu de viúva. O vestido delas era um sinal para o mundo do que elas haviam passado e de como deveriam ser tratadas. A norma social era mostrar, por meio da roupa, que você não estava bem. A expectativa social era de que você deveria ficar de luto por pelo menos dois anos, e seu guarda-roupa também.

Não havia chapéu de viúva para mim, não havia como sinalizar para as pessoas ao meu redor que, embora eu parecesse exatamente como uma mãe de 31 anos do Meio-Oeste dos EUA, eu era, na verdade, uma Dorian Gray emocionada.

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"O luto não era uma habilidade com a qual nasci, ou um destino que eu pudesse evitar."

Passei aquele primeiro ano solitário após a morte de Aaron acumulando ressentimento, mergulhando profundamente na fase de raiva do luto. Eu estava com raiva da solidão que sentia, com raiva por as pessoas ao meu redor ainda terem maridos vivos e preocupações supérfluas, como de quem era a vez de dar banho no filho hoje à noite. Eu estava com raiva porque o doce, gentil e maravilhoso Aaron estava morto e algumas pessoas poderiam dirigir bêbadas, bater o carro e sair sem nenhum arranhão. Eu estava com raiva de todos que me diziam o quanto eu estava bem por não verem o quanto eu estava destruída e com raiva de mim por fazer o ano mais difícil da minha vida parecer fácil.

Esta história não tem um momento a-ha! A situação não estava clara para mim, e demorou para eu perceber o que estava acontecendo: que eu não estava bem. Esse luto não era uma habilidade com a qual nasci ou um destino que eu pudesse evitar.

"Tudo bem?" é uma saudação automática que sempre falamos para todos que encontramos (principalmente no Meio-Oeste dos EUA). Acontece que muitas pessoas não estavam preparadas para ouvir minha verdadeira resposta. Nem deveriam estar! A pessoa colocando suas compras na sacola não é paga para lidar com um caminhão de lixo emocional. Seus amigos e familiares? Eles também não são pagos, mas deveriam ser capazes de lidar com você dizendo: "Na verdade, as coisas estão muito difíceis agora." É com essas pessoas que eu realmente queria ser sincera, então comecei da única maneira que eu sabia: escrevendo. Com diversas mensagens de texto.

"As coisas estão muito difíceis agora."

"Estou triste pra caralho."

"Sinto muito por ter sido uma amiga de merda, eu não sabia como estar perto de você."

A maioria dos meus relacionamentos ficou mais forte desde que comecei a responder a pergunta “Tudo bem?” com mais sinceridade.

Em algumas regiões da Índia, as viúvas são expulsas de suas casas por suas famílias, que consideram que elas trazem azar. Isso não aconteceu comigo. Minha solidão não foi imaginária, mas também não foi inteiramente imposta a mim. Eu tive uma participação na construção da minha própria prisão de solidão. Ela foi construída com todos os "tudo bem" e todos os sorrisos, com todas as publicações no Instagram onde tentei convencer a todos que eu estava tirando o luto de letra. Ainda estou tentando me libertar daquele lugar, dia após dia. Estou chegando lá reconhecendo os dias difíceis sem ficar me remoendo e me lembrando de que, em alguns dias, é perfeitamente normal estar péssima.

Nora McInerny é a autora do livro "It's Okay to Laugh (Crying is Cool, Too)" ['Tudo bem rir (e também chorar)', em tradução livre] e a apresentadora do podcast "Terrible, Thanks for Asking", da American Public Media.

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A tradução deste post (original em inglês) foi editada por Luísa Pessoa.

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