Em "Suspiria", as bruxas são reais

Luca Guadagnino refilmou o clássico de terror de1977 com muita coisa em mente, mas quer que você descubra as mensagens do filme por conta própria.

Amazon Studios

Dakota Johnson em Suspiria.

As bruxas estão em alta. Suspiria – refilmagem do clássico de terror de 1977 de Dario Argento sobre uma academia de dança dominada por bruxas – estreou no ano passado nos EUA. Pouco antes, a Netflix lançou O Mundo Sombrio de Sabrina, semanas após o lançamento da nova versão de Charmed, da CW. Além disso, houve o ressurgimento do termo "caça às bruxas", usado de maneira defensiva por homens acusados de abuso sexual que querem ver as alegações contra eles descreditadas como pura fantasia.

A invocação ao termo "caça às bruxas" é um pouco dúbia. De um lado, homens acusados de assédio estão tentando equiparar sua situação à de mulheres inocentes que no passado foram levadas à forca por falsas acusações de bruxaria. De outro, é uma maneira de dizer que as mulheres que os acusam são bruxas. Afinal de contas, dizer que mulheres são bruxas é uma maneira de silenciá-las desde... bom, desde sempre.

Mas e se ser uma bruxa não for tão ruim? Para cada grito de "caça às bruxas", há mulheres proclamando com orgulho: "Sim, somos bruxas. E vamos te foder".

Esse não é um conceito novo. Como observou o diretor de Suspiria, Luca Guadagnino, o resgate feminista das bruxas remonta aos anos 70, época em que — não por coincidência — ele decidiu basear seu filme.

"'Bruxa' é um termo apelativo dado a mulheres pela sociedade patriarcal ao longo de séculos de estigma, condenação e perseguição", disse ao BuzzFeed News. "Eu acho que a grande experiência do feminismo dos anos 70 foi dizer: 'Quer saber? Sim, eu sou uma bruxa. Estou resgatando isso'."

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Alessio Bolzoni / Amazon Studios

Os dançarinos da Academia de Dança Markos.

As bruxas de Suspiria não são a protagonista valente de Sabrina nem o trio central de Charmed, forças inequívocas do bem. Embora suas motivações sejam inicialmente misteriosas, logo fica evidente que as mulheres da Academia de Dança Markos de Berlim — incluindo a intimidadora Madame Blanc (Tilda Swinton) — carregam intenções não tão puras para a recém-chegada Susie Bannion (Dakota Johnson).

Susie chega pouco depois do desaparecimento de Patricia Hingle (Chloë Grace Moretz), que aparece reclamando sobre as bruxas da academia na cena de abertura. Seu psiquiatra, Dr. Klemperer — interpretado por Swinton vestida de homem sob o nome Lutz Ebersdorf — a descredita como delirante, mas Patrícia está claramente na pista de alguma coisa. Conforme Susie cresce na academia, ela é atormentada por estranhos pesadelos — e mais e mais garotas seguem desaparecendo. Em uma cena particularmente macabra, ao dançar, Susie acidentalmente faz com que o corpo de outra dançarina se contorça e quebre, deixando-a morta e destroçada.

Como Patricia descreve para o Dr. Klemperer, há três bruxas anciãs e poderosas: Mater Suspiriorum (Mãe dos Suspiros), Mater Tenebrarum (Mãe das Trevas) e Mater Lachrymarum (Mãe das Lágrimas). As matronas da Academia de Dança Markos trabalham em serviço à Mater Suspiriorum — no entanto, ainda que essas bruxas façam algumas coisas muito ruins, não significa que às vezes elas não estejam certas.

Em um momento, uma matrona repreende Dr. Klemperer por ele se recusar a ouvir as mulheres. "Quando as mulheres lhe dizem a verdade, você não demonstra compaixão!" grita. "Você diz a elas que estão delirando!" Em um momento cultural em que "acreditar nas mulheres" se transformou em um grito de união, essas palavras cortam fundo.

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Willy Vanderperre / Amazon Studios

Tilda Swinton como Madame Blanc.

"A pessoa que diz isso é uma bruxa", observou Guadagnino, "e eu concordo com ela".

Fazer com que Guadagnino fale sobre os temas mais profundos de seu filme pode ser um desafio. Suspiria é um belíssimo filme, mas ocasionalmente confunde. Como muitas das obras do diretor, que também incluem Me Chame Pelo Seu Nome e A Bigger Splash, o filme é esteticamente lindo e extremamente cativante, uma exploração afiada e provocativa do poder e do controle das mulheres. Ao mesmo tempo, tentar desvendar os pontos específicos da história — sem mencionar o que a história como um todo significa — parece, às vezes, um exercício de futilidade. E Guadagnino não está muito disposto a ajudar.

Quando perguntamos a ele sobre uma leitura possível, menos literal, de Suspiria, o diretor nos frustrou. "É um pouco constrangedor para mim", disse. "É algo que me faz, tipo...", e então gemeu para demonstrar seu incômodo. "Eu acho que o filme deve falar por si mesmo. E todo mundo que assistir ao filme vai ver o filme e vai entender a maneira como o filme funciona para si próprio."

É uma resposta diplomática, mesmo que não satisfaça os que terminam de ver Suspiria com perguntas intermináveis. No entanto, a ambiguidade e a natureza aberta à interpretação do filme não são defeitos, mas, sim, características, e é pouco provável que qualquer tentativa de Guadagnino de articular sua própria interpretação do filme deixaria Suspiria mais fácil de digerir.

Para aqueles que preferem filmes de terror diretos e objetivos, Suspiria pode ser frustrante. Mas, para aqueles que querem um filme que depois possam passar horas analisando, Suspiria é uma revelação.

Também é importante notar que, por mais vago que o filme possa parecer às vezes, ele é claro em seus objetivos maiores. As temáticas que o filme expõe — a luta pela autonomia do corpo da mulher, a disputa de poder entre mães e filhas, o conceito sempre evasivo de controle — retornam constantemente à superfície. Elas são evidentes em momentos como a cena "acredite nas mulheres" ou, mais cedo no filme, quando um dos personagens comenta: "O Reich queria que as mulheres fechassem suas mentes e deixassem seus úteros abertos".

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Sandro Kopp / Amazon Studios

Luca Guadagnino no set de Suspiria.

Guadagnino foi insistente para que Suspiria se passasse em Berlim em 1977, o ano em que o filme original estreou, e fosse específico à época e ao lugar. No entanto, o filme também parece perfeitamente adequado para 2018, quando, por exemplo, a independência reprodutiva das mulheres permanece contestada. "É uma coisa contínua que deve ser muito batalhada", disse Guadagnino. É revelador que, embora "caça às bruxas" pareça ser uma das frases mais relevantes do ano passado, o mesmo poderia ser dito muitos anos antes.

Filmes são um produto de seu tempo, Guadagnino acrescentou, "mas, ao mesmo tempo, eles precisam transcendê-lo". Visto em nosso contexto cultural atual, "o filme reflete muito o que entendemos sobre controle e poder".

Seguindo essa lógica, nossa percepção deste Suspiria deve mudar ao longo do tempo — mas o mesmo ocorreu com nossa percepção do filme original, que foi descreditado por muitos como violência vazia e, hoje, é amplamente considerado um clássico do terror. Na realidade, o amor pelo Suspiria de Argento fez do filme de Guadagnino (que ele chama de homenagem, não refilmagem) inerentemente arriscado. Ao repensar e recontar a história de uma jovem mulher em uma academia de balé dirigida por bruxas, o diretor está — pelo menos de acordo com alguns fãs de Argento — estragando a perfeição e se metendo em um filme que é amado por seus devotos.

"Eu sei muito bem disso", respondeu. "Eu entendo esse sentimento [de que ele substitui o original]. E eu concordo. Eu não quero isso. Eu quero uma coisa nova."

Mesmo assim, essa apreensão não vai impedir o diretor de continuar fazendo os filmes que ele quer fazer, seja uma sequência para Me Chame Pelo Seu Nome ou um Suspiria complexo e inquietante que carrega uma ligeira semelhança com o material original. "Eu faço o que gosto de fazer", acrescentou Guadagnino, "e tenho interesse na opinião de outras pessoas, muito interesse, mas eu não encaro minha vida e meu trabalho sob o prisma do medo".

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A tradução deste post (original em inglês) foi editada por Luísa Pessoa.

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