O comportamento de Nicki Minaj mostra quão tóxica virou a divulgação de novos álbuns

Em vez de deixar seu novo álbum, Queen, falar por si só, a rapper provoca polêmicas para conseguir atenção midiática.

Angela Weiss / AFP / Getty Images

O que fez Nicki Minaj se destacar como rapper no começo de sua carreira foi sua fluidez, especialmente sua capacidade de alterar os tons vocais na mesma música ou no mesmo verso. Ela era única nesse sentido — armada com várias personalidades, todas elas capazes de melhorar uma composição. Não saber o que esperar de um verso ou de uma apresentação de Minaj tornava a experiência de ouvi-la empolgante, mesmo com alguns tropeços ao longo do caminho. Era ela quem roubava a cena, como em “Monster” (2010), de Kanye West, e “Clappers” (2013), de Wale, em que ela canta um verso de 40 segundos que superou qualquer coisa que já havia sido feita.

Por conta disso – juntamente com sua personalidade (e identidade) vibrante, destemida e colorida – Minaj ascendeu ao topo do rap e, de 2010 até agora, foi a única mulher que sempre esteve liderando as paradas. Não tanto por culpa dela própria, mas, sim, porque há uma deficiência do imaginário do rap em relação ao gênero. Afinal, há, e tem havido, várias outras mulheres fazendo rap. No entanto, com exceção de Lauryn Hill e talvez Missy Elliott, Minaj foi a única rapper a alcançar tal popularidade, e — como estamos vendo agora com Cardi B — qualquer outra mulher que fizesse sucesso era colocada em competição direta com Minaj por críticos e fãs do gênero.

Dessa forma, por um longo período, Minaj reinou inconteste no topo das paradas, acumulando álbuns de platina. Não apenas sua consistência musical era elogiada, mas ela também se revelou como uma artista que sabia tirar proveito das mídias sociais, cultivando uma base de fãs — o Barbz — por meio do Twitter e do Instagram. Foi o Barbz que, ao longo dos anos, criou um paredão de defesa em torno de Minaj on-line, apoiando implacavelmente sua carreira contra os que tentavam diminuir seu sucesso.

Publicidade

Amazon

A capa do álbum Queen.

Hoje, Minaj continua na vanguarda do noticiário sobre rap, mas de forma mais desastrada do que triunfante.

Ela lançou Queen, seu quarto álbum de estúdio, em 10 de agosto, quase um mês depois da data de lançamento que havia sido originalmente anunciada.

Desde o início, o interesse pelo álbum pareceu morno. Nenhuma das músicas realmente emplacou (apenas a primeira, "Chun-Li", conseguiu chegar no top 10 da Billboard Hot 100). A cobertura da imprensa sobre Minaj foi motivada principalmente pela especulação sobre em quais conflitos ela poderia ou não estar se envolvendo, ou quão ameaçada ela se sentia ou não por Cardi B. Os espectadores e fãs de rap sugeriram que seu sucesso estaria perto do fim, ou que ela estava estagnada.

Minaj não ajudou durante a divulgação do álbum: no início de julho, a escritora Wanna Thompson postou um tuíte sobre a direção criativa de Minaj, afirmando que gostaria de ouvir mais conteúdo maduro da rapper. Minaj ficou sabendo e mandou uma mensagem direta para a escritora, com um parágrafo hostil repleto de insultos pessoais e declarações do que ela via como exemplos de trabalhos maduros que já tinha produzido.

Thompson compartilhou uma captura de tela das mensagens, o que a colocou diretamente na mira dos fãs de Minaj, e Thompson acabou perdendo seu emprego.

Semanas depois, Minaj foi ao Twitter para insistir que a incapacidade de Tracy Chapman para samplear poderia atrasar ainda mais o lançamento do Queen, alegando que precisava falar com Chapman desesperadamente A declaração levou alguns de seus fãs a irem às páginas do Twitter e do Instagram da fan base de Tracy Chapman, implorando para conectar as duas artistas.

Finalmente, dias depois do lançamento de Queen, seus números na Billboard chegaram bem perto do álbum número 1. Ela chegou ao segundo lugar, atrás de Astroworld, de Travis Scott, que ficou em primeiro lugar pela segunda semana consecutiva. Ela respondeu com uma série de tuítes dizendo que os produtos de marketing de Scott — os fãs podiam comprar ingressos para a turnê, uma cópia do álbum e camisetas de Astroworld — eram a razão de ele ter ficado em primeiro lugar.

Além disso, sugeriu que Kylie Jenner tivesse usado a filha dela e de Scott para ajudar a promover a turnê e o álbum de Astroworld, e bizarramente se comparou a Harriet Tubman. Então, anunciou no seu novo programa na rádio Beats 1 que leria tuítes de "haters" e citaria seus nomes; isso logo após pedir a seus fãs no Instagram para descobrirem o nome do escritor da Billboard que se atreveu a sugerir que a venda de ingressos para sua turnê, agora adiada, estava um fracasso. Foi algo perturbador de se ver, como se estivéssemos todos assistindo aos risos de alguém se transformando em soluços.

Publicidade

Nicholas Hunt / Getty Images

Travis Scott no VMA.

Perdido em tudo isso, vale notar que Queen é um álbum profundo de uma rapper que muitos — por algum motivo — consideram já superada.

As apostas para esse álbum eram altas, como uma afirmação sobre a capacidade de Nicki de continuar a dominar em um cenário pop em que ela não é mais a única mulher no topo das paradas do rap.

Queen mostra o que Minaj faz bem; ela continua sendo uma MC inteligente e envolvente, trazendo emoção a suas músicas. Mas não estamos falando de Queen. Mesmo após seu lançamento, ainda estamos falando sobre as artimanhas de Minaj.

Talvez tudo isso faça parte da dinâmica da indústria da música hoje, em que o ciclo de lançamentos compete com um de notícias igualmente acelerado. O álbum se torna um veículo, algo que pode colocar um artista à frente de um ciclo de notícias da cultura pop por um tempo. O artista então é obrigado a fazer o que pode para se agarrar ao momento, na esperança de que tal comportamento possa vender alguns álbuns, ou pelo menos conceder alguma notoriedade ao seu nome.

Para alguns artistas, essa é uma rotina simples: entrevistas, participações em programas noturnos, talvez uma capa de revista. Para Minaj, tem significado uma onda de comportamento que parece estar no limite e sem ideias.

Sim, ela ainda é o centro da conversa, mas o assunto da conversa é ela, não o que Queen tem a oferecer musical ou liricamente. É quase como se ela não acreditasse que o álbum em si fosse interessante o suficiente, e então se permitiu ser o ciclo do álbum, um instrumento do caos que continua tocando.

A forma como a música é lançada e consumida mudou desde 2010, quando Minaj lançou seu primeiro álbum, Pink Friday. O álbum físico já estava dando lugar aos serviços de streaming em 2010. As músicas baixadas foram responsáveis por 67,7% das vendas de músicas naquele ano, enquanto as compras de CD representaram apenas 14,5%. Em 2017, as músicas baixadas saltaram para 74,5% de todas as vendas. Embora as vendas de músicas em geral tenham subido desde 2015 graças ao streaming, é um meio que ainda prioriza a música em relação ao álbum.

Publicidade

É quase como se Nicki não acreditasse que o álbum em si fosse interessante o suficiente.

Mas ter um álbum número um ainda é algo que muitos artistas desejam, especialmente alguém como Nicki. E, assim, muitos tentam encontrar novos caminhos para alcançar este objetivo.

Alguns artistas, como Drake, criam álbuns de mais de 18 músicas na esperança de que a quantidade lhes garanta sucesso nas paradas. Outros, como Future, lançam álbuns com frequência, despejando-os em serviços de streaming uma semana ou mesmo horas após o álbum ser especulado ou anunciado. No entanto, como há mais músicas, álbuns e mixtapes vindos de mais lugares do que antes, para atingir o sucesso, um artista precisa estar disposto a permanecer na boca do povo, independentemente do custo para sua reputação.

Kanye West descobriu isso no início deste ano, quando retornou ao Twitter em abril em uma tentativa de chamar atenção para si e para sua série de projetos a serem lançados com a G.O.O.D. Music. West expressou publicamente seu apoio ao presidente Donald Trump, se gabou dos projetos que estava divulgando e, em uma entrevista ao TMZ, sugeriu que a escravidão era uma escolha. Mas seu verdadeiro objetivo, ao que parece, era ser o assunto do momento, na esperança de que isso pudesse lhe dar a atenção necessária por cinco semanas e cinco lançamentos de álbuns.

Dos cinco álbuns — Daytona, de Pusha T, Ye, de autoria própria, Kids See Ghosts, com colaboração sua e de Kid Cudi, Nasir, de Nas, e K.T.S.E., de Teyana Taylor —, todos foram recebidos com boas críticas, e quatro dos cinco debutaram nas cinco primeiras posições da Billboard.

Apenas o álbum de West chegou ao primeiro lugar, mas 48 horas após seu lançamento, quase todo o interesse por ele havia desaparecido. Conforme as semanas passaram, ouvir o álbum se tornou um ato de resistência para mim, diferente de antes, que era um ato de interesse. Ficou evidente que o projeto de cinco semanas não era para atender aos artistas de Kanye West, mas, sim, para atender ao desejo de Kanye West de manter a atenção sobre si enquanto pudesse. Isso também faz parte da máquina do ciclo de álbuns.

Nicki parece estar seguindo o mesmo modelo, optando por se envolver em comportamentos imprevisíveis e às vezes explosivos, em vez de divulgar os méritos do seu álbum. No mínimo, essa conduta a deixou mais isolada, já que ela usa a mídia social para nutrir seus ressentimentos e mimar sua base de fãs, ao mesmo tempo em que afasta quase todos os outros. Talvez tudo isso faça parte do plano de Minaj. Pode-se argumentar que, nesse ponto de sua carreira, ela não vai conquistar mais nenhum novo fã, e grande parte de sua base de longa data está muito consolidada para debandar agora, independentemente de como seja o seu álbum. A polarização já existia, e Nicki está explorando isso. Não para as vendas de álbuns, mas como uma maneira de ser memorável em um cenário musical em rápida transformação, onde o modelo de escassez do qual ela se beneficiou está (assim espero) chegando ao fim.

Por muito tempo, a ferocidade palpável nas rimas de Minaj visava claramente inimigos imaginários, proferidas como avisos ou indícios do que ela era capaz de fazer quando pressionada. Ela está sendo pressionada agora, e parece que seu objetivo está subitamente fora do alcance. ●

Veja também:

Como Taylor Swift construiu toda a sua carreira bancando a vítima

O plano de dominação de Taylor Swift até 2019

Você já tem o app do BuzzFeed Brasil no seu celular? Baixe gratuitamente no Android e no iOS para ver todos os nossos testes, vídeos, notícias e muito buzz.

A tradução deste post (original em inglês) foi editada por Luísa Pessoa.

Publicidade

Veja também