Sobrevivendo no Inferno, álbum clássico do Racionais MC's, segue atual após 23 anos do lançamento
O quarto trabalho do grupo mudou a história da música brasileira e a consciência política das periferias.
🔥 Mari Paulino, editora de redação e social media na Brasa Mag, é a autora deste texto. 🔥
Jeff Delgado
Em um momento tão conturbado de nossa história, é importante revisitar o passado para compreender e refletir sobre acontecimentos que foram verdadeiras viradas de chave culturais.
Para puxar essa reflexão é preciso voltar para 1997, ano em que o Brasil conheceu o “Sobrevivendo no Inferno”, um dos maiores álbuns já feitos no Brasil. O disco, que começa com uma oração, te prepara para ouvir histórias que já estavam presentes no inconsciente coletivo de quem vivia nas periferias das grandes cidades, São Paulo em especial.
Sobrevivendo no inferno da década de 1990.
Fernando Henrique Cardoso era o representante do Estado Brasileiro. Celso Pitta acabava de iniciar um mandato na cidade de São Paulo após quatro anos da política de Paulo Maluf. O país vivia a democracia há apenas doze anos e passava por problemas sociais profundos. A taxa de desemprego entre os jovens ultrapassava os 30% e nós tínhamos o terceiro maior índice de homicídio das Américas. Também houve um crescimento das igrejas neopentecostais.
Nessa época sombria, o rap nacional se desenvolveu e formou uma identidade política de forma independente, longe do mainstream.
Reprodução / MTV Brasil
“Vim para abalar seu sistema nervoso e sanguíneo".
— Trecho de "Capítulo 4, Versículo 3".
Não foi só o rap nacional que mudou depois de “Sobrevivendo no Inferno”. O pensamento crítico dos jovens nas periferias também foi afetado. E foi através desse álbum que os “playboys”, jovens ricos e brancos de classe média alta, passaram a consumir o rap nacional.
“Seu filho quer ser preto, ah, que ironia”.
— Trecho de "Negro Drama".
Em 2007, o disco foi eleito como o 14º melhor álbum de música brasileira pela revista Rolling Stone Brasil. Importante pontuar que não apenas de lírica se sustenta o trabalho, mas sim da viagem sonora dos samples usados por KL Jay que usa referências que começam na década de 1960. Depois do “Sobrevivendo no Inferno”, todo artista que usasse as músicas de base do disco também estaria o referenciando.
“Sei lá, muito velório rolou de lá pra cá. Qual a próxima mãe que vai chorar?”
— Trecho da "Fórmula Mágica da Paz".
Mais de duas décadas depois do lançamento, essa música segue atual. Segundo dados do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro, 78% dos mortos por intervenção policial em 2019 eram pretos e pardos. Os dados do Atlas da Violência apontam que uma pessoa negra tem 3 vezes mais chances de morrer de forma violenta no Brasil do que não-negros. Ainda em 2020, 8 a cada 10 pessoas mortas pela PM são negras ou pardas.
“Sobrevivendo no Inferno” estruturou uma nova escola do rap nacional, organizando pensamentos dos jovens que cresceram o ouvindo. Assim, também formou doutores e mestres.
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Como disse Malcolm X: as únicas pessoas que realmente mudaram a história foram as que mudaram o pensamento dos homens a respeito de si mesmos.
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